domingo, 21 de agosto de 2011

Ronaldo Baptista : A voz da publicidade brasileira


Ronaldo Baptista   

A voz da publicidade brasileira
                                                                       Por Hugo Kochenborger da Rosa
Grande dose de talento e belíssimo timbre de voz, fizeram do paulista Ronaldo Baptista durante muitos anos o locutor mais solicitado pelas agências de publicidade para a gravação de peças comerciais, tanto para o rádio, quanto para a televisão. Afinal, para qualquer empresa que se preze, ter seu produto valorizado pelo brilho e talento desse ator, locutor e jornalista nascido à 18 de setembro de 1933 (ele completa 78 anos neste domingo), já era por si só, um grande empurrão na hora de colocar no mercado um novo artigo, ou mesmo, valorizar uma marca já consagrada com uma boa chamada institucional.
Basta citar, que a voz de Ronaldo Baptista foi uma das poucas que tiveram o privilégio de participarem das primeiras peças publicitárias por ocasião do lançamento do ”Volkswagen” – Nome oficial do carro hoje conhecido como “Fusca”. Atualmente  o locutor, que não obstante a fama é uma pessoa acessível, atenciosa e de grande modéstia; detém simplesmente, segundo o “Clube da Voz”, entidade que congrega as melhores e mais caras vozes do Brasil no mundo da propaganda, o título de locutor comercial brasileiro mais importante de todos os tempos. A justificativa: “Ainda que não exista uma estatística oficial a respeito, tem-se como ponto pacífico no meio da publicidade que no Brasil, nenhum profissional do metier, até hoje, sequer chegou perto da quantidade de comerciais gravados por Ronaldo tanto para o rádio quanto para a televisão, ao longo de suas mais de cinco décadas de atuação no mundo da locução publicitária”.
As facetas de Ronaldo Baptista não param: dublagem, narração de “estorinhas infantis”, participação como ator em discos humorísticos, aparições em programas televisivos,  entre outros, também integram seu mundinho particular...
Confira agora um bate-papo com essa simpática figura!

Hugo - Ronaldo, quando você começou sua carreira de locutor?

Ronaldo  Baptista (RB) - Comecei no rádio em São Paulo, à 13 de julho de 1951,  aos 17 anos de idade, a partir de um pequeno contrato assinado junto à rádio América,  com a anuência de meus pais. (Na ocasião, ainda faltavam dois meses para que eu completasse a maioridade). Nessa época, acabara de encerrar meus estudos que tiveram duração de um ano na Universidade Artística de Rádio (UAR), que era uma instituição criada por Normet Pinheiro e sua esposa,  Ruth Sauaya.  Semanalmente esse casal promovia um “Teatro Experimental”, com duração de meia-hora, e que era levado ao ar na rádio Cultura. A interpretação artística era justamente dos alunos daquela escola (UAR). Entre as personalidades que mais tarde lograriam grande fama e que freqüentaram  a Universidade Artística do Rádio, da para citar: Cláudio Marzo, Francisco Cuoco, Murilo de Amorim Correa, entre outros.  Logo iniciei minha carreira. Posteriormente, tive ainda passagens por outras emissoras como as rádios Cultura, Bandeirantes (por vinte e um anos), Record (por dez anos), e Capital (por vinte anos),  na qual apresentei diversos programas e fui voz-padrão.
Fiz também durante cerca de 20 anos muitas peças de radioteatro, sendo que dentre as centenas de obras que representei, O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, talvez tenha sido a que maior audiência obteve. Era o programa mais ouvido em São Paulo no horário das 22hs, numa época em que a televisão ainda tinha uma presença muito tímida nos lares brasileiros.

Hugo – E a parte da dublagem como entrou em sua vida?

RB - Em certa oportunidade, recebi um telefonema de Glauco Laureli, para participar das dublagens de “As Aventuras de Rin-Tin-Tin”, pela Gravasom (empresa fundada em 1958),  onde dublei o tenente Rip Masters nas sete temporadas da série. Também  tive a felicidade de indicar o jovem Zezinho Cútolo,  que eu já conhecia da Rádio Bandeirantes. Zezinho dublou maravilhosamente o Cabo Rusty.
Um dos mais célebres personagens com dublagem original de Ronaldo Baptista: Tenente Rip Masters do seriado Rin-Tin-Tin.  (na foto ao lado Cabo Rusty e o proprio "Rintin")

 Naquela época recebíamos 1 cruzeiro para cada anel, take ou tomada dublada. Com a prática adquirida dava pra dublar uns 30 anéis por hora. Como sempre atuava como protagonista, ou seja, o que “mais falava”, dava pra tirar um dinheirinho bom no final do mês.  O “extra”, ganho como dublador, permitiu-me significativa melhoria nas finanças pessoais.
Ainda na Gravasom  dublei a série “Quinta Dimensão” e algumas aberturas do seriado “Além da Imaginação”, que até poucos anos atrás ainda podia ser assistido no canal por assinatura USA (atual Universal Channell)..
Depois, a Gravasom foi adquirida por Mário Audrá, que investiu pesadamente em novos equipamentos, uma vez que a demanda pelas dublagens aumentava cada vez mais. Nascia ali a AIC.. Desta forma as dublagens de Rin-Tin-Tim, que começaram na Gravasom, terminaram na AIC.
Em seguida veio “Viagem ao Fundo do Mar”, e com ele, o personagem do Almirante Nelson,  vivido pelo ator  Richard Basehart, o qual dublei,  nos 110 episódios das quatro temporadas.
Foi nessa época, em 1967 que recebi o prêmio “Governador do Estado de São Paulo”, como melhor radioator do ano. Fui o dublador oficial do ator Tyrone Power em grande parte dos seus filmes.
Cheguei também a fazer televisão, na época da fundação da TV Bandeirantes, quando fui contratado por 500 cruzeiros para participar de um programa humorístico chamado “Cidade de Araque”. Esse programa reunia vários esquetes cômicos e poderia ser comparado com o atual “A Praça é Nossa”. Depois fiz um programa chamado “Sequencia das Oito”, onde interpretei em seis episódios o detetive Sherlock Holmes.
Apareci também em vários programas e videos promocionais, como policial. Adoravam me escalar para interpretar tal personagem, talvez pela minha voz e tipo físico.
Voltando ao assunto da dublagem: dentro do universo infantil,  bem mais tarde, fiz ainda algumas narrações para a “Turma da Mônica”, a pedido da produção do Maurício de Souza. Durante muito tempo, também, fiz narrações para a Disney em chamadas promocionais e dublagens de filmes, como seu locutor oficial em língua portuguesa.
Almirante Nelson  (Richard Basehart): seriado "Viagem ao Fundo do Mar"

Hugo- Nos anos 60 você teve um programa de grande sucesso na rádio Bandeirantes de São Paulo, o “Patrulha Bandeirantes”. Como era esse programa?
RB – Era um programa muito interessante, onde teatralizávamos  acontecimentos policiais. Era como uma espécie de radionovela, só que da vida real. Fatos verídicos vivenciados no universo policial eram recolhidos e dramatizados nesse espaço.  A reportagem musical desse programa era de Celso Teixeira.
Ronaldo com a familia nos anos 60 (esposa Therezinha e filho Ronaldinho)
 Hugo – E o programa “Bom à Beça”?
RB –  Era um programa musical de variedades. Nele recebi artistas dos mais variados perfis, desde  Orlando Silva, até o Trio Esperança.. Foi num dos programas desta série, que Roberto Carlos  divulgou em primeira mão seu primeiro disco, “Louco Por Você”.
Hugo - Segundo os  anais da publicidade, você é considerado  muito provavelmente como o  locutor que mais  peças publicitárias gravou para o rádio e a televisão no Brasil até hoje...
RB - É bem possível que sim. Só posso dizer sobre isso que é muito gratificante ter contribuído um pouquinho no que se fez em termos de locução publicitária nesses anos todos no nosso país. Fico muito feliz com tudo o que aconteceu, e em 2001, ao completar com muita alegria meu jubileu de ouro profissional, recebi uma  linda e inesquecível homenagem, através de uma festa com doze horas de duração,  transmitida  ao vivo pela rádio Capital de São Paulo.
Ronaldo na Rádio Record SP - meados dos anos 70
Hugo – Descreva o roteiro de alguns comerciais marcantes que você tenha gravado no decorrer de sua carreira profissional como locutor comercial
RB - Foram tantos.. fica muito difícil lembrar... Mas assim de cabeça, eu citaria um dos primeiros comerciais da Volkswagen, ainda dos anos 60. Nesse comercial o Fusca aparecia com o letreiro de “auto-escola” estampado nas portas laterais. Eu dava “dicas” como se fosse um instrutor para a então muito jovem atriz Regina Duarte, que, toda atrapalhada tentava com bastante dificuldade por em movimento o sedan, dando uma “surra” no carrinho, pondo sob prova total a resistência do automóvel. No final, entrava outro colega locutor (infelizmente me falta no momento o nome dele),  que “assinava” o comercial, reforçando que o veículo era feito para durar, e que suportava as piores situações sem enguiçar..(como ser guiado por uma aprendiz de motorista como a Regina). Essa idéia era passada na seguinte frase: Você já imaginou, se não fosse um Volkswagen??? (risos..)
Tem outro, esse dos anos 80 e que ficou durante muitos anos no ar. O dos coelhinhos da Duracell, onde o coelhinho carregado com pilha comum era contrastado com um carregado com a Duracell, ambos caminhando e tocando tambor.  O coelhinho da pilha comum logo perdia as forças e parava, enquanto isso o da pilha Duracell prosseguia empertigado e com energia (risos).
Hugo – A partir dos anos 60 você apareceu em vários discos, em especial humorísticos e infantis. Como foi essa experiência?
RB - Foi inesquecível. Fiz participação em dois discos cômicos de Vitório e Marieta, um casal italiano muito engraçado e de grande sucesso na época, tanto no rádio quanto na televisão. Era vivido pelos atores Murilo de Amorim Correa (comendador Vitório) e Maria Tereza (Marieta). O nome dos LP´s: “Show Riso” e “A Volta ao Mundo em um Só Riso”, ambos pela Odeon.  Bem no finalzinho dos anos 60, comecei a narrar historinhas infantis para a “Abril Cultural”. A série, conhecida como “Estorinhas de Walt Disney”, era um suplemento composto por um livrinho ilustrado que contava uma determinada historinha ou conto infantil, e encartado neste vinha um disquinho de 7” (compacto simples), gravado nos estúdios da gravadora RGE para a RCA Victor,  onde cada historinha vinha dramatizada por excelente cast artistico formado por feras da dublagem nacional.
Figuras que vocês conhecem bem ainda nos dias de hoje como a Helena Samara (dubladora da ”Dona Clotilde” – a “Bruxa do 71” do seriado Chaves), Rita Cléos, (dubladora de “Samantha Stephens”, no seriado A Feiticeira),  Borges de Barros (dublador do “Moe” dos Três Patetas, também do “Dr Smith” de Perdidos No Espaço) – todos infelizmente já falecidos – estavam entre os muitos artistas que formaram o elenco para este projeto.  Minha parte nessa produção consistia na narração das historinhas. A trilha sonora era toda original dos filmes dos estúdios Disney.
O convite para  ser o narrador oficial desta enorme coleção, que totalizou 68 fascículos diferentes, ocorreu após eu ter participado de alguns testes,  e partiu da escritora gaúcha de literatura infantil Edy Lima, que era também a responsável por adaptar os textos.
Para as gravações, eu buscava inspiração, imaginando estar rodeado por crianças sentadas no chão, olhando para mim como a um pai paciente e cativante a lhes contar aquelas lindas historinhas.
Dois exemplos de discos de humor com a participação de Ronaldo Baptista
Hugo – Lembra de alguns títulos lançados nessa coleção?
RB – Como já falei, foram dezenas de volumes. Essa série, posteriormente seria relançada em diversas ocasiões de modo periódico ao longo dos anos, com capas diferentes, mas com o mesmo conteúdo. Alguns deles: Bambi, Se Minha Cama Voasse, Chapeuzinho Vermelho, Pedro e o Lobo, Dumbo, O Alfaiate Valente (estrelado pelo rato “Mickey”, Ursinho Puff (hoje o chamam de “ursinho Pooh”), O Natal do Tio Patinhas, Pinóquio, Peter Pan, Mogli, Cinderela, O Carro Que Falava, O Gafanhoto e as Formigas, João e Maria, Branca de Neve, Donald e a Bruxa, 101 Dalmatas, entre muitos outros. Até hoje recebo muito carinho das crianças de todas as idades que relatam quanta alegria essas historinhas proporcionaram à infância delas. Somente essas palavras de carinho e gratidão já bastariam para que eu me sentisse um ser humano melhor, e percebesse, que todo esse trabalho não foi em vão. E essa sensação de “trabalho cumprido”  não tem preço! Sinto-me totalmente feliz e realizado!!
                    Chapeuzinho Vermelho "Estorinhas de Walt Disney" - Narração Ronaldo Baptista (1974)
Ronaldo foi o narrador oficial da série "Estorinhas de Walt Disney" Ed. Abril
Hugo – O que você tem feito atualmente?
RB – Saí da Rádio Capital em 2005, após 21 anos de trabalhos dedicados àquela casa. Cheguei a ser sondado para atuar como voz-padrão da Rádio Record em 2008, mas infelizmente não houve acordo. Entretanto, de qualquer forma, senti-me feliz com a lenbrança do meu nome. Ainda tenho trabalhado bastante, graças à Deus, mas ultimamente tenho reservado um tempinho todo especial para as artes plásticas (sempre adorei pintar), e é claro,  para curtir minha família, que eu amo muito. N do A EM 22.01.2012:   INFELIZMENTE, RONALDO BAPTISTA VEIO A FALECER DE CAUSAS CARDÍACAS,  INESPERADAMENTE NO DIA 15.01.2012, AOS 78 ANOS, DEIXANDO UMA TRISTE AUSÊNCIA A TODOS NÓS:  FÃS, AMIGOS E ADMIRADORES DE SUA FIGURA HUMANA MARAVILHOSA E DE SUA BELA VOZ.  ESSA FOI A ÚLTIMA ENTREVISTA CONCEDIDA POR RONALDO BAPTISTA.
Circulou  no caderno de cultura "Blitz" da rede de radios e jornais Diário da Manhã, encartado em comum  nos jornais de Passo Fundo, Carazinho e Erechim (RS), em 16.09.2011
*Todos os direitos reservados pelo autor. Proibida a reprodução total ou parcial deste artigo, sem prévia autorização do titular.

sábado, 20 de agosto de 2011

Pausa para a Jornada Nacional de Literatura/ Revista O Cruzeiro


Nos próximos dias, o caderno "Blitz" de cultura do Jornal Diário da Manhã estará voltado completamente para a cobertura da  14ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo - RS, evento que acontecerá de 22 a 26 de agosto, do corrente.  Deste modo ficaremos alguns dias sem atualizar o nosso blog.   Possivalmente estaremos de volta no dia 09 de setembro. 
A próxima matéria já está sendo depurada, mas até para efeito de surpresa, iremos manter o assunto em sigilo por enquanto... hehehehe




Estou nesse momento folheando uma velha edição da Revista O Cruzeiro, pertencente ao conglomerado "Associado" do pioneiro Assis Chateaubriand. Data da publicação 06.02.1954.
Em poucas páginas, já enriqueci meu cabedal cultural com ao menos cinco informações, que para alguns de vocês provalmente parecerão inúteis, para outros, no mínimo curiosas.



Página 03:

*Tiragem desse número da revista: 535.000 exemplares. (Gostaria de saber qual revista vende tanto assim hoje em dia)

* A Jornalista Geraldina Marx (que fará 100 anos em outubro próximo!!), na  mesma página, introduz a revista falando sobre "Mau Olhado".   Até ai, tudo bem. Esse assunto é recorrente em qualquer revistinha de horóscopo, simpatias e afins de qualquer época. Mas tem uma informação que considerei preciosa nas entrelinhas.  Até a época da publicação da revista, as pessoas do interior, (de lugarejos afastados), utilizavam o termo "mau olhado", para representar certo tipo de "quebranto". Já nas cidades, tal expressão encontrava sinônimo expresso no termo "olho gordo".  Nunca pensei antes, que em qualquer época, houvesse existido tal dicotomia urbana e rural que distinguisse o uso de tais termos...
 


Página 05.

Consta desta página, um anúncio de um produto chamado "Toni", voltado para a beleza capilar feminina.
Hoje, as mulheres que desejam ondular ou encaracolar seus cabelos dizem que irão ao instituto fazer um "permanente".  Ora, a priori, a palavra "permanente" não significa nada sozinha. Permanente sugere que ALGO permaneça.... E o que seria esse algo?
A caixa desse produto de nome "Toni" esclarece:  
 Toni: Ondulação Permanente..  Zássssssss!  Ai está....  Como a lingua é "viva", com o passar dos anos as mulheres curiosamente optaram por abolir a palavra que mais identifica o processo de "embelezamento" que tanto gostam de aplicar às suas madeixas.  Desse modo, o que restou foi um evasivo, dúbio e mal-explicado "permanente", para cognominar tal procedimento estético-capilar  Boa, não?
 


Páginas 06 a 11

O Casamento de Marilyn Monroe.  Após matéria ricamente ilustrada, a respeito do conúbio de tal personalidade da 7ª arte, a revista interpelou algumas figuras importantes brasileiras de então, pedindo-lhes que se manifestassem sobre as bodas da sensual artista norte-americana. Uma das figuras a responder tal enquete, foi o Ministro da Justiça da época, um "tal" Tancredo Neves,  figura que 30 anos após, à 15.01.1985, seria nomeado por um "colégio eletivo", o primeiro presidente não-militar do Brasil após longo período de governo ditatorial.. Neves contudo, como é de domínio público, não chega assumir a pasta, por conta da saúde debilitada e do enorme período de convalescência que percorreu antes de seu passamento, ocorrido a 21.04 daquele mesmo ano. Em seu lugar, assumiu o mais elevado posto na escala política brasileira, o  maranhense José Sarney.


Página 12
Outro anúncio. Desta vez de um sofá-cama da griffe "Drago".  Tal anúncio fazia uma retrospectiva ao ano de 1935, dizendo que na época os prédios começavam a crescer no sentido vertical, surgindo assim os primeiros arranha-céus, e com eles os indefectíveis apar(per)tamentos de poucos metros quadrados - como o meu, por exemplo - hehehe. Para aquele momento, a Drago lançara no Brasil o PRIMEIRO MÓVEL CONVERSÍVEL. O Sofá-cama Drago!!  Desse modo, assim de chofre, descobri o ano em que foi fabricado o primeiro "sofá-cama" no Brasil, e de quebra, o que levou o fabricante a lançar tal funcionalidade doméstica!
 
PS. Tem gente que diz que ler "revistas velhas" pouco ou nada acrescentam. Será?

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Suely Neves Rodrigues: Companhia Industrial de Discos - CID



Suely Neves Rodrigues:
O Design gráfico na indústria do disco 

                                                                         Por: Hugo Kochenborger da Rosa

Sempre que você pensa em escutar um disco ou CD, a primeira coisa que lhe vem à mente certamente é o prazer auditivo que aquele som te proporciona, independente de se tratar de um flashback, ou o último hit do Top 40 americano.  Mas um colecionador de discos que se preze, deve ter "olhos de lince" e observar o trabalho além do ponto de vista artístico/sonoro.    Por exemplo: Que tal tirar um tempinho, e localizar nas letras miúdas da contracapa do álbum, quem foi a pessoa que fez o designer gráfico da capa?
É nessa hora que você corre o risco de  visualizar o nome de  Suely Neves Rodrigues, cuja assinatura profissional se acha creditada à muitas e muitas capas de Lp´s . CD´s  e K7´s, que criou com exclusividade para a maior gravadora brasileira de capital 100% nacional: A CID - Companhia Industrial de Discos.
Fundada em agosto de 1958, por Hermann Zuckerman, essa gravadora tem sido, desde então,  protagonista do lançamento de centenas de grandes sucessos da música nacional e internacional, em nosso país. Mais recentemente, por estratégia mercadológica, visando a modernização de sua identidade,  a gravadora passou a chamar-se CID Entertainment.

Hugo - Suely, como e quando você percebeu que seu interesse vocacional era direcionado à arte gráfica, e de que forma você iniciou nessa área profissional?

Suely Neves Rodrigues (SN) -  Desde que me lembro sempre adorei desenhar.  Minha mãe diz que eu era uma criança quietinha, que só vivia entretida com lápis de cores e papel. Por volta dos 15 anos fui convidada a pintar os murais de meu curso de Inglês com personagens do ''Vila Sésamo''. Eu gostava também de desenhar o retrato dos amigos e da família, geralmente à lápis 6B. No ensino médio, antigamente, podíamos escolher um curso profissionalizante,  e eu escolhi, Desenho de Arquitetura, o que se tornou também uma paixão. Quando chegou a época do vestibular fiquei em dúvida entre Arquitetura e Belas Artes, optei por Belas Artes, mas prometendo a mim mesma, fazer Arquitetura algum dia - o tempo não me permitiu, infelizmente. Todos foram contra eu fazer Belas Artes, pois diziam que no Brasil não se dava valor à arte, e  que seria difícil conseguir emprego nessa área. Aí fica o recado - o importante é fazer o que se ama - nunca fiquei desempregada, e sempre trabalhei com prazer, tanto que só tirei duas férias durante a minha vida, e só para ter meus dois filhos.
Bem, me formei em 1981 pela UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Hugo -  Como foi seu ingresso em uma das maiores gravadoras/fábricas de discos do Brasil, a CID – Companhia Industrial de Discos?

SN - Saindo da faculdade, trabalhei um ano em firmas de engenharia como desenhista de arquitetura. Então recebi uma proposta de uma amiga, que estudou comigo na universidade. Ela trabalhava na TV Globo e me apresentou a Arlindo Rodrigues, (carnavalesco da Imperatriz nos anos 70/80 - já falecido), que estava como cenógrafo na Globo. Ele estava precisando de uma assistente, para o projeto de uma cidade cenográfica da novela de época "Dona Beija". Enfim, ele me contratou, mas a Globo resolveu não fazer mais a novela, por causa dos custos. Arlindo então saíu da Globo para a estreante TV Manchete e me levou com ele. Trabalhei lá 4 anos, durante esses anos fiz a novela "Dona Bejia", entre outras. Como Assistente de Cenografia, desenhava os cenários em planta baixa e também móveis, quando especiais. Depois acompanhava a confecção na carpintaria e decorava o cenário para as gravações.

Suely atuou como assistente de cenografia na novela Dona Beija da Rede Manchete
Foi muito bom e um grande aprendizado para mim trabalhar lá. As pessoas eram muito livres, leves e soltas! (risos.). Só o salário que não era satisfatório. Foi quando então, em 1986,  surgiu a oportunidade de trabalhar na CID, onde eu iria ganhar mais, e iria dentro das artes atuar em “programação visual''. Fui contratada, após entrevista com Harry Zuckerman, filho do dono da gravadora, Sr. Hermann Zuckerman,   para substituir a diretora de arte  Maria Cambraia Fernandes (muitos discos antigos da gravadora constam o nome dela nos créditos),  e que após longos anos de trabalho na CID, decidiu sair da gravadora, ao resolver casar-se com um americano e ir morar em New Jersey .  Esse foi o princípio de 11 anos de um trabalho que fiz com muito amor!

Prédios da Cia. Industrial de Discos
Hugo -  A CID possuia um grande parque gráfico próprio. Descreva pra gente como esse segmento da fábrica funcionava.

SN - A gráfica funcionava sempre partindo do fotolito, que ía para uma máquina que gravava uma chapa metálica, em seguida esta passava para uma outra máquina com uns rolos enormes de papel. Nesta máquina eram colocadas  as tintas e então, finalmente  eram rodadas as capas. Em síntese era isso.

Hugo -  Mesmo sendo algo que ja existia a muito tempo antes de você ingressar no time da CID, você saberia quem foi o artista que bolou o clássico logo da gravadora?

SN - Realmente não sei quem criou. Provavelmente foi a Cambraia, a diretora de arte que me antecedeu.

 Hugo -  Na sua época, os principais selos da gravadora eram: SQUARE, FAMA, CID, 101 STRINGS, CARROSSEL, CRAZY CAT, MAGIC MUSIC, ITAMARATY, OBA, CID ESPECIAL E CID LUXO. Quais eram os critérios que norteavam a gravadora no momento de direcionar em qual desses selos uma música ou artista seria encaixado?  O que diferenciava uns do outros?

SN - Os selos eram criados pela diretoria da CID (Dr. Harry). Claro que o tipo de música também tinha que acompanhar muitas vezes o significado do selo, como nos casos de 101 Strings,  que era um selo específico para os discos da orquestra de 101 cordas, o Carroussell para discos de temática infantil, o Oba (samba e pagode)  e o Magic Music, voltado para os amantes da música erudita. Mas basicamente  a finalidade maior era a de normatizar as faixas de preços dos discos mesmo.

Alguns selos da Cia. Industrial de Discos:   Square

101 Strings

Carroussell

CID

CID Especial

CID Luxo

CID Luxo

Fama

Itamaraty

Magic Music

Oba
Hugo - Como você criava o lay-out das capas naquela época? 

SN - O lay-out das capas eram rascunhados em lápis e papel, e os textos eram calculados através da fonte (tipo e tamanho de letras escolhidas). O pedido do texto era encaminhado a uma firma terceirizada, a qual nos mandava esse material de volta, impresso em papel especial.  Esse papel era recortado e colado na ARTE FINAL, de acordo com a diagramação escolhida.  A cola usada era aquela de “sapateiro''. Tanto que os arte-finalistas, ganhavam adicionais de insalubridade,  pelos possíveis danos causados a saúde. Tudo isso era muito trabalhoso!
Você não imagina o alívio, quando chegou o computador com o programa que eu mais uso para desenhar o ''Corel Draw''.
Hugo - Tem alguma capa que tenha te marcado mais? E qual teria te causado maior "dor de cabeça" no processo criativo, você se recorda?

SN - A capa que mais me marcou foi a primeira, pois era um trabalho que eu nunca havia feito, e felizmente, tudo deu certo. O disco (LP e Fita k7) de título ''Romantíssimo''  era uma coletânea de músicas que incluía sucessos como Crazy Horse (Et Sortout Ne M´oublie Pas),  Wess & Dori Ghezzi (Noi Due Per Sempre),  Pepino Di Capri (Ancora Com Te), entre outros. A foto com os modelos foi alugada, como era de costume na época.
A capa mais problemática, não em dificuldade de fazer, mas pelas coisas estranhas que ocorreram na época, foi um disco para um centro de macumba. A capa consistia numa  ilustração com algo como uma silhueta de um homem de chapéu, muito sinistra. Bem,  os fenômenos que ocorreram na época, tanto em minha casa como nas de outras pessoas envolvidas na produção não dariam para contar aqui. (risos.)..

    "Noi Due Per Sempre" com Wess e Dori Ghezzi: Um dos sucessos do passado que integraram o Lp Romantíssimo (1986)
Algumas capas de discos CID com direção de arte e/ou criação de Suely
Hugo -  E as fotos de paisagens, modelos, etc.. que ilustravam alguns discos da gravadora? De onde eram provenientes? 

SN - As fotos de paisagens e de alguns modelos eram alugadas por firmas com KEYSTONE e THE IMAGE BANK, que nem sei se sobrevivem hoje. Produzíamos também fotos com modelos que eram selecionados por mim, e geralmente eu também produzia e dirigia essas fotos.
 
Hugo -  E sobre a figura do proprietário da gravadora, o Sr. Harry Zuckermann, o que você comentaria?

SN - Logo que fui trabalhar lá o pai do Dr. Harry, o qual chamávamos de “Seu Zuckerman”, ainda estava vivo, e era ele quem dirigia a gravadora. No entanto, numa viagem a Alemanha, sua terra natal, sofreu um acidente automobilístico e veio a falecer. Os filhos Harry e Rodolpho Zuckerman tomaram a frente da CID. Hoje não sei se eles ainda estão a frente ou a Betina que já estava trabalhando lá quando eu saí, filha do Dr. Harry, assumiu o controle.
O Dr. Harry foi com quem eu trabalhei diretamente durante os 11 anos que estive lá. Nesses anos todos nunca tive nenhum atrito com ele, eu o respeitava muito e ele retribuiu sempre esse respeito. Ele é muito simpático, mais do que o irmão. Sempre foi ótimo negociante, tinha o dom da palavra, (é advogado). Sempre gostei muito dele e também da Betina, sua filha.

Da esq. para a dir. Harry Zuckernan, Funcionária n. identif, Betina Zuckerman e Suely Neves Rodrigues em confraternização na CID (1990)
Hugo -   Em que setores a gravadora era dividida?
SN - Bem, tinha a diretoria, departamento de compras, de marketing, de vendas, de contas a pagar, de direitos autorais, financeiro, pessoal, e o departamento  de artes. Tinha também a fábrica de discos propriamente dita, a gráfica e carpintaria. Havia também o restaurante dos funcionários e o da diretoria.

Hugo -  Lá por 1990, vocês já tinham como certo que o golpe de misericórdia na fabricação dos discos de vinil não tardaria? Ou, por outro lado, havia uma visão de que os dois formatos (LP e CD) pudessem conviver pacificamente?

SN - Infelizmente, tínhamos já nessa época,  a certeza que o vinil não iria permanecer. Que seria substituído integralmente pelos CDs.

Hugo -  Você ainda estava na gravadora na época do encerramento da fabricação dos discos de vinil?  Em caso positivo, que sensação isso causou para os funcionários da fábrica?

SN - Eu ainda estava lá. Foi muito triste!  Muitos colegas  foram demitidos.  Havia a dúvida do que seria feito com todo aquele maquinário. Eu mesma, achava que a CID  não sobreviveria, iria  fechar.  Mas logo, Dr. Harry, com o seu talento comercial, começou a relançar o catálogo da gravadora  em CD, e incrivelmente  meu trabalho dobrou!!  Além das capas novas, havia uma série para reduzir a arte para o novo formato.
Suely em sua prancheta de trabalho  na CID (1990)
Hugo -  Você ainda atua com designer gráfica?

SN - Saí da CID, para ver meus filhos crescerem, e morar num lugar sossegado. Mas como não consigo ficar parada, a minha paixão pela arte me levou a trabalhar apenas por brincadeira com desenho infantil que era o que eu mais gostava. Projetei inicialmente a agenda infantil do colégio dos meus filhos, daí em diante não parei mais. Cheguei a trabalhar para quase 100 escolas, aqui em minha cidade. Abri uma micro-empresa e o negócio não parava de crescer. Com a expansão desse negócio,  me vi diante de um trabalho que não gostava:  Administração empresarial. Tentei que meus filhos assumissem, mas nenhum deles quis saber. Então resolvi fechar o negócio e voltar a ser feliz .
Hoje sou numeróloga, ciência que estudo a 10 anos, e adoro atender pessoas. E quanto a arte fiz um curso de design de sobrancelhas e de maquiagem social e artística. Estou começando a formar minha clientela. Trabalho novamente só com o que amo e assim voltei a ter a paz que sempre busquei.

Hugo -  O que você acha da Polysom ter retomado a produção de discos de vinil no Brasil, e também do recente boom de jovens colecionadores que tem se interessado por esse formato fonográfico? Se desejar  acrescentar algo mais, sinta-se a vontade!

SN - Acho fantástico!  Assim dá-se continuação a um produto mágico e que foi muito importante na história fonográfica.   Gostaria de acrescentar que adorei  esse bate-papo, pois ele me trouxe ótimas recordações. Também quero deixar meu carinho, admiração e respeito a todos os colecionadores  que dedicam seu tempo e atenção prestigiando o bom e velho disco de vinil!

Circulou  no caderno de cultura "Blitz" da rede de radios e jornais Diário da Manhã, encartado em comum  nos jornais de Passo Fundo, Carazinho e Erechim (RS), em 12.08.2011
* *Todos os direitos reservados pelo autor. Proibida a reprodução total ou parcial deste artigo, sem prévia autorização do titular.

sábado, 6 de agosto de 2011

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O Mundo de Beakman Flávio Dias ou... O que é que há, velhinho???

Flávio Dias como "O Fantasma do Barão". Novela Uma Rosa Com Amor SBT (2010)

O Mundo de Beakman  Flávio Dias
Ou... O que é que há, velhinho???
                                                                        Por Hugo Kochenborger da Rosa

Flávio Dias D´Oliveira , iniciou sua carreira ainda adolescente no teatro, em 1967. Trabalhou também na televisão em novelas como  “Campeão”, na TV Bandeirantes (1982) e “Uma Rosa Com Amor”, no SBT (2010).  No cinema fez o filme “Alô?”, de 1998.
A fama maior desse ator e diretor, todavia, seria conquistada  como dublador de inúmeros personagens em filmes e seriados. De Beakman do seriado “O Mundo de Beakman” a Pernalonga,  passando pelo Barney do seriado infantil “Barney e seus amigos”, até chegar a Catatau em “O novo show do Zé Colmeia”, os personagens foram muitos!
A estréia de Dias na dublagem, ocorreu em outubro de 1975, quando Flávio ingressou para o cast artístico da AIC São Paulo, estúdio esse, que adquirido por novo proprietário passaria a se chamar BKS no início do ano seguinte...
Hoje nosso bate-papo é com ele: Flávio Dias.

Hugo - Flávio, quando que  você percebeu seu talento para as artes dramáticas e de que forma acabou ingressando no teatro na segunda metade dos anos 60?

Flávio Dias de Oliveira (FD) - É de família. Meus pais se aproximaram ao trabalharem juntos em peça teatral de despedida dos soldados, durante a segunda guerra, em Portugal.
Eu comecei com teatro amador, em 1965, num show de escola. Gostei  e estou nisso até hoje (risos)

Hugo - Como surgiu a oportunidade de ingressar na AIC, e como funcionava o processo de dublagem na época em que você resolveu partir para esse campo da interpretação artística?

FD - Em 1975, estava terminando a Escola de Artes Dramáticas (ECA-USP/SP), e vi no quadro de informes que procuravam atores para teste de dublagem. Eu nem imaginava do que se tratava. Tive sorte e, aprovado no teste passei a ser chamado constantemente para pequenas participações. A dublagem, então, era feita a partir do corte do próprio celulóide. O filme era todo cortado em “anéis” de 20 segundos para ser projetado no estúdio de dublagem. E o elenco trabalhava junto, como se fosse uma  radionovela.  Para dar uma idéia mais clara, às vezes éramos reunidos em mais de 10 atores em torno de um único microfone!   Os detalhes são muitos, por isso fica difícil resumir toda a sistemática que envolvia a dublagem na época. Hoje o auxilio da tecnologia facilita muito, simplificando bastante todo esse processo.

Hugo - Com que outros dubladores importantes  você teve a felicidade de contracenar ao longo desses anos todos?

FD - Em meu aprendizado, tive a honra e o prazer de trabalhar com a “nata” da dublagem brasileira... Potiguara, Neide Pavani, Ezio Ramos, Sandra Campos, Older Cazarré, Marcos Lander, Chico Borges, Rita Cléos, Borges de Barros, Helena Samara, Carlos Campanile, Eleu Salvador, Antonio Moreno, Neuza Azevedo, Waldir de Oliveira, Drauzio de Oliveira, Ivete Jayme, Gessy Fonseca, João Ângelo, Jose Soares...  Enfim, perto dessas feras todas, o menino aqui tinha que ter muita garra pra continuar trabalhando... e não é que aprendi alguma coisa?

Esq. Flávio Dias (voz de Beakman). Dir. Carlos Silveira (voz do Rato Lester)

Hugo - Descreva-nos sua visão pessoal sobre o  personagem Beakman (O Mundo de Beakman), e como foi a experiência  de ser o dublador oficial desse interessante personagem vivido por Paul Zaloon? Você chegou a conhecer pessoalmente o ator americano que fazia o personagem?

FD - O ”Mundo de Beakman”, não foi um trabalho, foi um presente! Uma das séries mais difíceis, mas, mais deliciosas não só de se “fazer” como de se assistir. A emoção de ouvir dos fãs, que seu trabalho de alguma forma estimulou ou interferiu positivamente na formação profissional das pessoas é indescritível! Ouvir dos amigos, do prazer que eles tem em assistir o “Beakman” junto com os filhos... traz uma felicidade incalculável! O ”Beakman” só me deu alegrias... (podia ter dado dinheiro também, mas...) (risos)  Infelizmente não o conheci pessoalmente... ainda.

 Beakman de "O Mundo de Beakman"  é mais uma dublagem de sucesso de Flávio Dias



Hugo - Percebe-se que você tem forte correlação com programas de cunho cultural. Tanto que  além de O Mundo de Beakman, que era um excelente programa do tipo “educativo sem ser cansativo”, você fez também várias participações na TV Cultura de São Paulo...

FD - Bem, a TV Cultura,  é na verdade uma “paixonite” dos atores que trabalham na cidade de São Paulo. Todos gostamos de participar dos projetos da emissora,  porque sabemos da seriedade e da importância cultural desses projetos. Tive a honra de ser a voz das “chamadas” da área infanto-juvenil, por mais de seis anos. E participei de vários trabalhos ligados ao projeto “Nossa Língua Portuguesa”,  do professor Pasquale Cipro Neto, tanto  como ator  teatral , como também dublando alguns personagens.

Pof. Pasquale Cipro Neto
Hugo - Dos programas infantis “enlatados” surgidos  na televisão brasileira dos anos 90 pra cá, Barney e seus amigos  merece destaque como um dos mais interessantes, queridos e populares entre a garotada.  Como foi essa experiência pra você?

FD - O Barney foi uma experiência “quase” gratificante. É um projeto norte-americano para crianças até 08 anos, tipo “Vila Sésamo”. Dublei de 1998 a 2005, quando fui literalmente assaltado pelos representantes da série no Brasil, ao usarem o produto dublado para TV na produção de um DVD que foi comercializado sem o pagamento de meus direitos. Ao exigi-los, fui demitido do estúdio onde trabalhava e cortado da série. Aliás estas atitudes escravocratas até hoje, são tomadas pelas distribuidoras contra os atores brasileiros, com o aval dos estúdios de dublagem, que só querem saber é da grana... ética profissional e respeito às leis que nos normatizam, nem pensar!!!

Barney e seus amigos
Hugo - E sobre o simpático coelho “Pernalonga”, como foi dublar esse personagem tão presente e marcante no imaginário infantil?

FD -  Foi logo no comecinho, em 1975. Havia falecido o ator que inicialmente dublara o Pernalonga, o Gastão René, e foram feitos testes para um timbre próximo, a pedido da Warner, na então já BKS (ex-AIC). E de brinde ainda “herdei” o Patolino, o Batatinha (turma do Manda Chuva), o “Bob Filho” e o “Catatau” (Hanna-Barbera) (risos)..

Pernalonga
Hugo - Qual seu episódio favorito de Pernalonga?

FD - Todos! Com uma leve vantagem para os enfrentamentos com o Patolino.

Hugo - Ao saberem que você  fez durante um bom tempo a voz do Pernalonga, as crianças te  “alugam”  muito, pedindo pra você dar uma palhinha? rsrs

FD - Não mais... a “bola da vez” ainda é o Barney... Quando descobrem é uma festa! Tem até amigo que me liga, pra eu dar parabéns pros filhotes, como Barney! Acredita?! (risos)..

Hugo - Fora  os programas e seriados que mencionamos, quais outros personagens que contaram com sua dublagem mais te marcaram?

FD - Aí fica difícil... Foram até hoje mais de 6.000 (seis mil) títulos, entre longas metragens,  curtas, novelas, desenhos, séries e seriados... Mas gostei de coisas como “Caça Fantasmas” (RAY), “Ursinhos Carinhosos “ (Malvado/Valente), “A Turma do Zé Colméia “(Catatau,Bobi, Babalu), “Águia de Fogo” (Hawk), “Cavaleiros do Zodíaco” (Poseidon). Enfim muitas séries legais, e alguns atores em filmes especiais, como Dan Aykroid, Jonny Deep, Danny de Vito, Gary Oldman... e um montão de outros...

Ursinhos carinhosos
Hugo - Considerando você como “geração do meio”; no que se diferem os dubladores da “velha escola”,  como:  Borges de Barros, Orlando Drummond, etc.. os da sua geração e os da novíssima geração, surgidos mais recentemente?

FD - Na “minha turma” tem gente maravilhosa, mas vou me dar o direito de não citar alguém, pra evitar magoar colegas, por algum esquecimento. Mas, repito, da “minha turma” falo com certeza que tem atores de excelente qualidade. Agora, desta geração mais nova, conheço muito poucos. Pena que justamente durante esta, digamos, última renovação, é que tem se constatado uma queda vertiginosa da qualidade. Quero crer que não seja por culpa direta dos novos atores, mas sim do mercado cruel que procura preços cada vez mais baixos, estrangulando assim o já muito baixo custo de nosso trabalho e para isto recorrem à substituição dos atores profissionais por estudantes ou iniciantes, por custos que são, eu diria, vexatórios! Mas, isto também  é papo para muuuuita lauda!

Flávio Dias  no Anima Pop em 2008

Hugo  -  Fale-nos sobre sua escola de Teatro e os projetos paralelos em que trabalha

FD - Moro em Mogi das Cruzes (grande SP), cidade onde nasci. Fica a 60 km de São Paulo.  Aqui tenho meu grupo profissional de teatro – Cia.Radiophônica de Theatro, ligada á Cooperativa Paulista de Teatro-SP. Com este grupo mantenho meu contato direto com  o palco, criando e dirigindo espetáculos para escolas, ONGs, prefeituras e empresas. Este grupo atua apenas na região do “alto-Tietê”. Em SP, atualmente estou, como ator, na peça “Eles não Usam Black-Tie” de Gianfrancesco Guarnieri, numa montagem-homenagem pelos 5 anos de seu falecimento. A Produção é da família Guarnieri, e tenho a honra de caber a mim o papel de “Otavio” que foi do próprio Guarnieri e também de Eugênio Kusnet. Em cena, o filho mais velho de Gianfrancesco, Flavio Guarnieri , faz o papel de Tião, meu filho.

"Cia. Radiophônica de Theatro" organizada Por Flávio Dias
Hugo - O que, no seu entendimento, está faltando na  atual programação da televisão brasileira?

FD - Falta atualmente na TV brasileira, produções brasileiras! Temos que ter mais espaço para trabalho, dividindo o espaço com as produções estrangeiras (isso falando em termos de canais por assinatura). Agora, a TV aberta é lixo puro! São programinhas em variações do tipo BBB, de péssimo gosto e qualidade no mínimo duvidosa, em sua maioria. Posso incluir também nesse mesmo grupo  a decadência gritante das novelas. Tenho lido até atores globais confirmando isto. Dá desgosto! É de chorar! Aliás, não vejo nada na tv que não seja filme, jornalismo e algum esporte o resto é lixo, lixo puro!

Hugo - E que trabalhos paralelos à dublagem você tem desenvolvido atualmente?

FD - Já falei antes sobre meu grupo de teatro (Cia.Radiophonica) Mas tenho trabalhos complementares em narrações para cursos especiais ligados a departamentos específicos da USP e algumas ONG´s (apoio movimentos femininos,  proteção aos  animais, etc). Além de  entidades especificas como por exemplo,  narrações de livros para deficientes visuais

Hugo -  O que mais você gostaria de falar sobre a profissão de dublador?

FD - Sempre digo que falar sobre a dublagem, (a técnica de interpretar sobrepondo a voz a ser exibida sobre a original), é no mínimo, charmoso. Mas o assunto que deveríamos também abordar é o não pagamento pelo uso da dublagem. O ator recebe atualmente cerca de R$ 80,00 por hora de trabalho. Num Longa Metragem (100 minutos) o dublador que dublou o personagem que “falou mais” durante o filme, recebe, em média, uns  R$800,00. A dublagem do filme todo não chega ao total de R$ 10.000,00. No entanto, quando essa mesma produção for veiculada num canal de tv, com intervalos comerciais, renderá por exibição, milhões de reais. E a dublagem nada ganha. Apenas a emissora ganha.
 Explicando o “Direito Conexo”... Num filme “dublado” há duas obras de arte. Ou seja, (por exemplo,  o Brad Pitt e o ator que o dublou). O Brad ganhou como ator (milhões US$) e comissões sobre a venda para cada país, via sua distribuidora. E o dublador ganhou para ir ao estúdio dublar, mas quando o trabalho é negociado, ele nada recebe, nem pelas inserções via programas de tv, nem pelo uso indevido desse produto na criação de DVDs... Mesmo que a lei 9610 diga que ele tem direitos sobre o que ganharem sobre seu trabalho (mais valia)..

Circulou  no caderno de cultura "Blitz" da rede de radios e jornais Diário da Manhã, encartado em comum  nos jornais de Passo Fundo, Carazinho e Erechim (RS), em 05.08.2011
* *Todos os direitos reservados pelo autor. Proibida a reprodução total ou parcial deste artigo, sem prévia autorização do titular.