sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O Fascinante Universo dos Discos de Vinil: Joaquim Cutrim


O Fascinante Universo dos Discos de Vinil
Joaquim Cutrim
                                                          Por: Hugo Kochenborger da Rosa*
Insert Cultural conversa com o Dr. Joaquim Cutrim, que além de emérito operador do Direito, é de quebra um grande expoente no estudo da audiologia. Nesse certame, diga-se de passagem, Cutrim  é considerado um dos “papas” em termos de Brasil.  Quando o assunto é a defesa  técnico-científica bem articulada  e embasada dos discos de vinil e o som analógico de um modo geral, Joaquim, que é morador da cidade de Niterói, no RJ, é o cara certo a ser convidado  à “tribuna” para se manifestar!!
HUGO - Desde quando você é apreciador do som analógico?
JOAQUIM CUTRIM (JC) -  Desde os doze anos de idade. Tenho ainda meus primeiros compactos simples e duplos e o primeiro LP, uma coletânea chamada “Top 12 USA”.
HUGO - Como surgiu o interesse pelo estudo da audiologia?
JC - Surgiu quando eu li um texto em um site português na Internet que fazia uma comparação entre o CD e o vinil. A partir daí fiquei absurdamente indignado com o que chamei de “farsa do CD”, quando imediatamente encaminhei via e-mail para todos meus contatos o referido texto com o título acima, passando então a fazer pesquisas que culminaram no surgimento do meu primeiro blog, que foi o Vinil Na Veia, cujo objetivo era alertar o público da “enganação” que todos havíamos sofrido; inclusive eu; que vendi minhas coleções em vinil a preço barato, para desocupar espaço, acreditando que aquela mídia que estava sendo anunciada era realmente um substituto do disco de vinil.  Por sorte, mantive algumas coleções e uns vinis de valor afetivo muito grande. Foi o que me salvou. Pesquisei em vários sites brasileiros e vi que não havia nenhuma pesquisa completa sobre o assunto; partindo assim para os sites estrangeiros, onde entre 2005 e 2006 encontrei muita informação de credibilidade. Feito o blog, iniciei o que chamei de verdadeira cruzada contra a farsa da indústria e em favor de ressuscitar a honra tecnológica do vinil. Participei de várias discussões na Internet e concedi sete entrevistas. Mais tarde, também descobri a parte artística do vinil, no que se referia à qualidade gráfica e aos textos culturais; pois até então não valorizava isso.
HUGO - Técnicamente falando, no que difere a sonoridade dos LP’s e dos CD´s?
JC-  O LP ou disco de vinil, tem um som mais acústico, o que significa mais natural. Exemplo: Compare um som de um teclado regulado para tocar como um piano com um piano de verdade: Isso, você agora me compreende. O som do vinil é mais “emadeirado”, mais aveludado; seus graves tem um “attack” mais prolongado, vale dizer, seu grave permanece mais tempo no ambiente.  As notas médias e agudas não são tão altas como no CD, o que evita a fadiga auditiva. Não confundir altura com extensão de freqüência, onde o vinil supera qualquer mídia digital, já que possui sons ultra-sônicos, que não são “ouvidos”, mas são percebidos e eles é que dão “corpo” a todos os harmônicos das notas que compõem a música. Em números, um disco de vinil na reprodução apresenta um espectro de freqüências que vai de 20hz até muito mais de 48 kHz, indo até 100 kHz ou mais em certos transientes de freqüência. (Embora o padrão de gravação seja de 20 hz até 48 kHz). Seu sinal não é fragmentado pela digitalização de 0 e 1 e nem é limitado pela impossibilidade de criação de algoritmos para criar esses transientes num CD e para dar-lhe uma amostragem quase infinita, como a aproximar-se da integralidade do registro feito num sulco de um vinil, que é inteiro e não repartido. Já um CD leva um corte em 2.050 Khz e tudo que passa disso, é jogado "no lixo". E isso que passa é importante para a formação dos harmônicos das notas. Mas não é só o corte em 2.050 Khz para o CD ou 48 kHz para o SACD e outras mídias que só tocam via Codec: É também a perfeição dessas freqüências; pois no vinil elas são perfeitas por serem registradas analogicamente, ao passo que num disco digital, elas são registradas imperfeitamente, em função da digitalização não poder armazenar informações de números “quebrados”; somente inteiros, como 1, 2, 4, 10, 25 milivolts e assim por diante. A digitalização não armazena valores como 1,54; 2,31; 4,78; 10,05 e 25,98 milivolts, por exemplo. E isso é essencial na hora da reprodução. O processo analógico da gravação de um vinil apenas transforma, não cria, não recria, não interfere na obra original. Apenas transforma energia mecânica em elétrica e depois em mecânica de novo para que possamos ouvir. Já o processo digital de criação de um CD, este cria, porque para criar coisa nova é preciso destruir a antiga. E o antigo, no caso, é justamente o sinal elétrico sonoro original.
HUGO - Quando do aparecimento do CD no Brasil em 1987, cuja imagem foi vendida ao público pela grande imprensa e indústria fonográfica e eletrônica em geral como sendo a “mídia mágica e perfeita com máxima qualidade, som puro, livre de estalos e chiados e que mesmo sendo submetido aos piores tratos, não sofreria sequer um arranhão”, você chegou em algum momento a aceitá-la como ponto pacífico, ou desde o começo, já divergia dessa tese?
JC- Aceitei como ponto pacífico, pois confiava muito na honestidade da indústria do áudio até 2004, com poucas exceções em relação a essa confiança absoluta, pois já era técnico em eletrônica em 1982 quando já construía caixas acústicas profissionalmente para residências e boates. Ou seja, fui tão ingênuo como a maioria. somente mais tarde, com pesquisas apuradas e que pude ver as falhas do disco digital e do seu tocador, no que dizia respeito à qualidade sonora, já que pureza de som não é o mesmo que qualidade de som.
HUGO - O peso de um disco de vinil (Gramatura), realmente influencia na sonoridade do mesmo?
JC -  Influencia, mas não é condição absoluta para isso. Um disco de vinil mais pesado significa um disco mais imune ao que se chama de fenômeno da ressonância de cancelamento. Peso, em física, chama-se massa. E ela tem efeitos determinantes na inércia molecular. A inércia, para mais ou para menos vai funcionar como um pára-choque para barrar essa ressonância indesejada. Não se pode reduzir a questão somente a tamanho e profundidade de sulco, como querem. É correto dizer-se que um sulco de um disco de vinil de 180g é do mesmo tamanho de um disco de vinil de 140g? Sim. Mas a questão não estaciona por aí. Isso é física estática. Mas onde fica a física dinâmica? Onde ela fica posta na questão? Na vibração. Exatamente; na mecânica vibracional. Esse efeito relaciona-se com a qualidade do som final de um vinil. Em suma, quanto mais massa tem um vinil, mais imune a efeitos que lhe retirem a pureza de seu som. Mas é importante ressaltar que se forem tomados os devidos cuidados e seguidas as regras de instalação de um toca-discos no ambiente, um disco de menor gramatura tocará tão bem quanto um de maior gramatura. Ou seja; o de maior gramatura resiste mais aos nossos erros.
HUGO - Quais as dicas que você daria para quem está iniciando agora sua coleção de discos?
JC - Em primeiro lugar, lave seus vinis recém adquiridos, tanto os novos como os usados. Os novos podem vir com o lubrificante da prensa. Ele tem que ser retirado. A temperatura ideal é de 28°. O máximo recomendável são 35ºC. Abaixo de 10°, cautela. Evite o armazenamento na diagonal em lotes grandes, pois força o último vinil. Evite pegar o vinil com mãos sujas, óbvio. Poeira deve ser evitada. Prateleiras sempre ao ar livre, boa ventilação e boa entrada de luz. Mas se tiver animais que possam danificar os vinis, ponha portas, tampas e abra-as de vez em quando. Evite guardar o vinil sem plástico interno e externo, que protege bem a capa artística de um vinil. Nunca deixe o sol atingir um disco de vinil. Deteriora-o, como qualquer plástico, pela ação dos raios UVA e UVB e pode empená-lo. Mantenha-os sempre na sombra. E saiba, desde já que a água corrente quando você está lavando o vinil com os pés no chão você automaticamente já descarregou via seu corpo toda e qualquer energia estática dele. 

HUGO - O que o ouvinte médio precisa em termos de equipamentos para poder subtrair uma boa qualidade na audição de seus Long Plays?
JC - Um bom toca-discos com uma boa cápsula instalada nele; bem ajustado e instalado no ambiente. Um amplificador com uma boa banda de resposta de freqüência, ou seja, de 20 Hz a mais de 48 kHz; um bom par de caixas acústicas e vinis criteriosamente bem lavados e cuidados. A observação fica no sentido de que, para uma audição de graves abaixo de e 80 hertz faz-se necessário o uso de caixas acústicas com alto falantes de no mínimo 10 ou 12 polegadas; podendo chegar ao ideal de 15 a 18 polegadas; lembrando que cada alto-falante deste interfere no tamanho da caixa; o que será a uma questão de escolha pessoal. A caixa acústica deve ter divisor de freqüência de no mínimo, três canais.
HUGO - Em que pé anda a indústria do disco de vinil no Brasil, e no exterior no momento?
JC - Segundo a Official Charts Company, em 2011, as vendas de discos de vinil tiveram um aumento de 40%, ou seja; 240 mil discos vendidos, em relação a 2010, onde foram vendidos 234 mil discos. É o melhor resultado em seis anos. Inclusive ultrapassou a previsão da Nielsen Soundscan, que era de 25%. O disco de vinil é o formato que mais cresce em número de vendas.
HUGO - Em rápidas palavras, qual seria o procedimento correto para a limpeza de um disco de vinil? E para quem coleciona os antigos 78 RPM a regra seria a mesma?
JC - Compre um detergente de qualidade e algodão hidrófilo, aquele algodão medicinal. Dilua o detergente em água de boa qualidade, na proporção de 7 ml de detergente para 200 ml de água (Uma tampinha de refrigerante cheia de detergente para um copo comum, cheio d’agua). Se sua água não é boa, use a de degelo de geladeira, desde que o gelo esteja livre de gorduras e outras sujeiras). Se você não tiver o tapa-selos (Veja como utilizar o kit em meu blog), cuidado para não molhar muito o selo. Deixe a água cair em cima do vinil e vá girando-o; vire para o lado B. Passe o algodão embebido na solução de água com detergente. Depois retire com a mesma água de torneira todo o detergente espalhado, lavando bastante até você tocá-lo com os dedos junto à água corrente e verificado que seus dedos estão travando, ou seja, que o detergente já saiu todo da superfície. Ponha o vinil para escorrer em um escorredor de pratos de plástico. Deixe a ventilação interna de sua casa secar o vinil. Não o enxugue com panos. No máximo absorva os pingos restantes com guardanapo de papel, tocando-os. Esse procedimento é o mesmo para discos de vinil ou shellac, não importando a rotação, se 78 RPM ou não.
HUGO - Qual seria o modo correto para a armazenagem de grandes quantidades de discos de vinil?
JC-  Em uma estante ocupando paredes inteiras, usando madeira anti-cupim ou ferro, ou feitas de alvenaria. Devem ser guardados em lotes de 10 a 12, cada um em seu próprio escaninho, uma espécie de repartição na estante. Não importa o tamanho da estante. A ordem alfabética é ideal para quantidades acima de mil vinis. Se são muitos mesmo, o ideal é um quarto adaptado para isso, com temperatura e umidade do ar controladas. Um condicionador de ar é bom para retirar o excesso de umidade, que deve estar em torno de 40 a 50%, a uma temperatura ideal de 25°. O limite entre o mínimo e máximo deve estar entre 10° e 35°
HUGO - E o mp3, e demais formatos de compressão de amostragem de áudio, como se enquadraria no contexto de qualidade de som?
JC- O mp3 retira mais qualidade de som do que o CD já retira, como falei anteriormente. Por exemplo: Faz com que a voz de um coralista seja idêntica a de um outro quando essa diferença é sutil. Isto: Tira todas as sutilezas e detalhismos de uma música; retira sons existentes no momento em que a banda tocou e há uma perda muito grande na dinâmica sonora, que é o atributo de você destacar o som de um instrumento de outro e deles, a voz ou as vozes.
HUGO - Enquanto colecionador de discos, quais seus gêneros musicais e artistas favoritos?
JC- Não tenho um gênero musical definido, pois não gosto de "me pôr cercas". Gosto de movimentar-me livremente na arte de acordo com meu sentir, dizendo um não ao academicismo. Até passo a gostar de ritmos, arranjos e harmonias que antes não gostava. Em relação a artistas, gosto de muita gente, a lista é grande; não daria para colocar nessa entrevista e, como colecionador de algo já em torno de 1000 vinis, por enquanto; enumero o possível: No momento, estou apreciando muito:  Françoise Hardy, Élodie Frégé, Joss Stone, Gigliola Cinqüetti, Paula Fernandes,  Lucie Bernardoni, Georges Brassens,  Jacques Brel, Carlene Davis, Fagner, Luiz Gonzaga, Simone,  Joana, Maria Bethânia, Maria Rita, Elis Regina, Maysa,  Zé Ramalho, Caetano Veloso, Gil, Benito Di Paula, Fafá de Belém, Fernanda Brum, Eyshila,  Alcione, Clara Nunes, Nara Leão, Tim Maia, Gal Costa, Maria Creuza, Raul Seixas, Ney Mato Grosso, Ed Motta, Cartola, Roberto Carlos, Marina, Nelson Gonçalves,  Altemar Dutra, Papete, Celso Reis, Ubiratan, música erudita em geral; eruditos solistas como Maria Lívia São Marcos, Rafael Rabelo, Turíbio Santos, Pacco de Lucia e ainda um passado internacional glorioso, como Led Zeppelin,  Guns ´N’ Roses, Sandra Cretu,  Donna Summer,  Cindy Lauper, Carly Simon, Debbie Gibson, Madonna, Coldplay, Rolling Stones, sem, esgotar esta lista.

Circulou  no caderno de cultura "Blitz" da rede de radios e jornais Diário da Manhã, encartado em comum  nos jornais de Passo Fundo, Carazinho e Erechim (RS), em 16.12.2011
*Todos os direitos reservados pelo autor. Proibida a reprodução total ou parcial deste artigo, sem prévia autorização do titular.,

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Nas Ondas da Magia do Rádio: Valdir Comegno

Nas Ondas da Magia do Rádio

Valdir Comegno 
                                                            Por: Hugo Kochenborger da Rosa*
                        
Mais um belíssimo lançamento editorial, vem ao encontro a todos os amantes da magnificência do Rádio de outras eras. O Professor Valdir Comegno, 74, natural de Bauru/SP, está lançando mais uma obra que promete elucidar muitos fatos da trajetória desse instigante veículo comunicacional.  “Nas Ondas da Magia do Rádio”, sua mais recente investida no universo “escriba”, tem seu lançamento previsto para esse sábado (19).
Valdir, que é docente de Geografia,  já havia anteriormente lançado outra obra de referência sobre o assunto da História do Rádio, entitulada “A Magia do Rádio”, livro esse muito bem recebido tanto por entusiastas das encantadoras histórias dessa “caixinha mágica”, quanto pelos estudantes de Comunicação de um modo geral.  A prova disso é o fato da obra já se encontrar em sua segunda edição.
De um modo geral, Comegno evoca o conteúdo de seus livros, com a serenidade, riqueza de detalhes  e a certeza de quem “estava lá”, como testemunha “In loco” de tudo aquilo que é relatado.
O Insert aproveitou um dos raros momentos de folga desse entusiástico pesquisador morador da “Terra da Garoa”, e bateu um papo com com ele. Confira!!
Valdir Comegno
Hugo - Como surgiu seu amor pelo Rádio?

Valdir Comegno (VC) - Bem eu nasci praticamente na Era do Rádio, mas tudo começou em 1951 quando uma semana após ser eleita Rainha do Rádio, Dalva de Oliveira foi fazer uma apresentação em Bauru, interior de São Paulo, cidade onde morava. Nessa época eu estava com 14 anos e até então o Rádio nada significava para mim. A Bauru Rádio Clube, "PRG-8", até então única emissora de Rádio da cidade havia adquirido o prédio de um antigo cinema e transformado em auditório, por sinal moderno e com capacidade para 600 pessoas. Cada semana a Bauru Rádio Clube apresentava um cartaz vindo normalmente do Rio de Janeiro como Carmélia Alves, Francisco Carlos, Adelaide Chiozzo, Nelson Gonçalves e outros mais. Até que decidiram trazer Dalva de Oliveira, a cantora do momento, com muitas gravações nas paradas. Nessa época eu trabalhava como entregador de remédios de uma farmácia e faturava alguns trocados como “caixinhas”. Assim juntei o dinheiro que havia ganho na semana e fiz a minha reserva para assistir ao show. Até então eu nunca havia visto artista nenhum no palco e qual foi a minha surpresa ao ver aquela mulher linda, de olhos verdes, cantando com uma voz privilegiada. Dalva vinha de uma tumultuada separação conjugal e só se falava nela. A partir daí passei a sintoniza-la pelas ondas da Rádio Nacional e na primeira férias fui ao Rio para poder assisti-la. E assim, começou o meu amor por ela e pelo Rádio brasileiro.

Hugo - Seu primeiro livro "A Magia do Rádio"que já se encontra na segunda edição, onde a obra foi revisada e ampliada, foi fruto de um intenso e laborioso trabalho de pesquisa que levou mais de 10 anos. Como surgiu a idéia de editar um livro sobre esse assunto e de que modo você conseguiu reunir um bom "dossier" a respeito. Exatamente qual abordagem o entusiasta do Rádio encontrará por lá?

 
VC-  A partir do momento em que os LPs deram lugar aos CDs, comecei a colecionar gravações de Música Popular Brasileira. A  vinda dos aparelhos que transformam LPs em CDs minha coleção começou aumentar. Por essa época conheci alguns colecionadores de MPB com os quais comecei a fazer permutas. Foi então que comecei a guardar tudo o que encontrava: revistas, recortes de jornais, fotos, enfim tudo que dizia respeito aos anos dourados do Rádio. Por sugestão de uma amiga comecei a fazer anotações em um caderno que acabou se transformando em livro. Essa minha amiga costumava dizer: "Você tem que colocar no papel todo esse seu conhecimento. Já pensou em escrever um livro?"  Assim comecei a me organizar e acabei produzindo o livro "A Magia do Rádio" que felizmente já está na segunda edição. Isso tudo demorou dez anos, mas por displicência minha. Tinha época que trabalhava o assunto, depois vinha a preguiça e o assunto era engavetado. Assim foi, até o dia em que cheguei em casa e encontrei uma caixa de papelão no meio da sala. Era um computador, presente de um sobrinho. Depois de um curso rápido de informática, decidi terminar o livro. Hoje não levo mais dez anos para escrever um livro. O livro "A Magia do Rádio" aborda fatos e personagens da Era do Rádio, de 1922 data em que o rádio foi oficializado no Brasil até o final dos anos 60 quando a televisão ganhou força e passamos por uma ditadura militar. Como o livro é uma espécie de almanaque onde conto os principais acontecimentos de ano a ano, serve de guia para aqueles que pretendem se aprofundar no assunto, e isso me deixa muito feliz.
"A Magia do Rádio", primeiro livro de Valdir, já se encontra em sua 2ª edição (revista e ampliada)
Hugo -  E o seu novo livro, "Nas ondas da magia do Rádio", em que difere do anterior?
 
VC- O primeiro livro "A Magia do Rádio" foi focado em fatos e personalidades que marcaram a história do Rádio brasileiro, dos anos 20 aos anos 60, quando a televisão chegou com força total. "Nas Ondas da Magia do Rádio" mostra o caminho que o Rádio trilhou a partir dos anos 70, quando as emissoras para sobreviver tiveram que cortar gastos, eliminando os grandes elencos de cantores, radio atores, as orquestras e maestros. A partir dessa época o rádio se voltou aos programas de estúdio, dando ênfase ao jornalismo e ao esporte.

Hugo - Você chegou a freqüentar os auditórios de Rádio quando garoto? Que recordações tem dessa época mágica?

VC-  Comecei a freqüentar os auditórios de Rádio aos 15 anos. As férias escolares e de emprego passava no Rio de Janeiro. Durante o tempo que permanecia por lá ia a quase todos os programas das Rádios Tupi e Nacional. Os programas que mais gostava de assistir era o de Manoel Barcelos na Rádio Nacional, às quintas feiras e Caleidoscópio na Rádio Tupi aos domingos, dirigido por Paulo Roberto e Carlos Frias. Já o programa Cesar de Alencar era impossível de assistir. A fila começava se formar as quartas-feiras e a bilheteria só abria no sábado pela manhã! Para conseguir entrar era preciso pertencer ao Fã Clube da Emilinha ou da Marlene que compravam quase todos os ingressos para repassá-los aos associados. As recordações são agradáveis. Lembro-me de de que Dalva e Linda Batista haviam brigado e Dircinha estrearia na Rádio Tupi logo após o término do programa da Dalva.
Pois é o Fã Clube da Dalva providenciou caixas e mais caixas de confetes e serpentinas e durante o o programa fizeram aquele carnaval. Dircinha estreou com o palco cheio de confetes e serpentinas que não haviam sido jogados para ela e ainda com o auditório pela metade pois a ordem do Fã Clube era de que os fãs de Dalva se retirassem assim que o programa terminasse.

Hugo - Quais seus artistas preferidos do Rádio de outrora.


VC-  Gosto de Nelson Gonçalves, Jorge Goulart, Orlando Silva, Francisco Carlos, Nora Ney e Dalva de Oliveira.
Emilinha Borba, Marlene e a própria Dalva de Oliveira.

Hugo -  Você considera a televisão como a grande vilã para a perda gradativa do brilho do Rádio?

VC-  Não sei se podemos responsabilizar a televisão como a grande vilã para a perda gradativa do brilho do rádio. Acho que chegou a hora do rádio acompanhar os novos tempos e assim o fez, tanto assim que transferiu seus programas de auditório para a televisão que insiste em permanecer com o mesmo esquema. Acho que o rádio acompanhou os novos tempos, hoje ele é informativo e dinâmico.
Hugo -  O jovem atual tem se interessado pelo tema?

VC-  Os jovens de hoje curtem muito pouco música brasileira, preferem as bandas de rock, mas existe uma minoria que gosta dos artistas da era do Rádio e que se interessam pelo assunto. O meu livro "A magia do Rádio" teve boa aceitação pelos alunos dos cursos de comunicação.
Hugo - Qual a programação para o lançamento de "Nas Ondas da Magia do Rádio"?

VC-  Está prevista para o dia 19 de novembro uma tarde de autógrafos no Rojas All Suite Hotel, na Av. São João, 1.399, aqui em São Paulo, no horário das 15 às 18 horas. Paralelo ao lançamento do livro acontecerá um "sarau" com inúmeros artistas da Velha Guarda. Espera-se a presença dos cantores Roberto Luna, Silvana, Raimundo José e das radioatrizes Izaura Marques, Jessy Fonseca e Dayse Fonseca.

Hugo -  Onde os interessados podem adquirir seu novo livro?
VC-  Se alguém tiver dificuldade em adquirir meu novo livro "Nas Ondas da Magia do Rádio", poderá fazê-lo diretamente comigo pelo e-mail valdircomegno1@hotmail.com. Já o livro anterior, "A Magia do Rádio"; pode ser adquirido nas livrarias Cultura em São Paulo ou Instituto Memória em Curitiba. 
O preço de capa de “Nas Ondas da magia do Rádio” é 30,00.

Livro: “Nas Ondas da Magia do Rádio”
Autor: Valdir Comegno     Páginas: 200        Editora ABR
Circulou  no caderno de cultura "Blitz" da rede de radios e jornais Diário da Manhã, encartado em comum  nos jornais de Passo Fundo, Carazinho e Erechim (RS), em 18.11.2011
*Todos os direitos reservados pelo autor. Proibida a reprodução total ou parcial deste artigo, sem prévia autorização do titular.,

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Waldir Calmon: Feito Para Lembrar...


Waldir Calmon
                                  Feito Para Lembrar

                                                                 Por: Hugo Kochenborger da Rosa


Waldir Calmon e seu Conjunto foram a síntese de tudo o que havia de mais sofisticado nos dourados anos 50 para a música brasileira.   Filha do pianista, a cantora Márcia Calmon disponibiliza para os fãs de seu pai um interessante sítio, onde procura manter vivo seu legado, resgatando nas entrelinhas um pouco da significação de Calmon para  a MPB. Lá o visitante ainda acessa a biografia, discografia e muitas outras curiosidades sobre a trajetória artística do músico, que foi um dos maiores vendedores de discos do país entre os anos 50 e início dos anos 60.
Márcia bate um papo agora com o Insert Cultural, onde fala não só sobre Waldir Calmon, como também sobre sua própria carreira artística: Confira!
Márcia Calmon
Hugo -  Márcia, como e aproximadamente com que idade Waldir se descobriu musicalmente?

Márcia Calmon (MC) - Desde sempre, meu pai teve uma ligação com a música. A mãe dele, Helena, sabia tocar piano, violão e violino e ensinou um instrumento a cada filho. Ao meu pai, coube o piano. Como toda criança, ele ficava entediado com os inúmeros exercícios que minha avó passava. Ele contava que ficava tocando com uma chave em cima de cada mão enquanto sua mãe permanecia na cozinha, atenta. Se as chaves caíssem ou ele errasse alguma execução, ela chamava a sua atenção da cozinha mesmo. Quando quis desistir, minha avó disse que ele deveria ser perseverante e aprender o piano, pois havia sonhado com um grande amigo, já falecido. No sonho, esse amigo, Sr. Deovô, teria dito a ela que a música era o único caminho do pequeno Waldir.
     Já com catorze anos, ele montou um pequeno grupo com baixo, bateria, piano, trompete e sax e passaram a animar festas pelas redondezas. Meu pai também cantava, mas sempre reclamou de não ter uma boa voz. Quando foi estudar na Academia do Comércio de Juiz de Fora, MG, em regime de internato, fugia à noite para tocar.

Hugo - Ao chegar no Rio de Janeiro, com 17 anos de idade, Waldir trouxe em mãos uma carta de recomendação endereçada ao brilhante flautista Benedito Lacerda. Em que sentido essa recomendação ajudou seu pai no princípio de carreira?

MC - Benedito Lacerda o indicou para um pequeno trabalho, como cantor e pianista, na rádio Guanabara. A partir daí, fez contatos e começou a trabalhar em vários lugares e com pessoas importantes, como Ataulfo Alves e Eva Todor. O primeiro registro em disco de seu piano data de 1941, acompanhando Ataulfo na música Leva Meu Samba.
Ataulpho Alves

O flautista Benedito Lacerda

Hugo -  Waldir foi um artista muito a frente de seu tempo, introduzindo na música brasileira nos anos 1940 o solovox, um pequeno sintetizador (espécie de tataravô dos teclados eletrônicos atuais), e que acoplado ao teclado do piano,  conferia uma sonoridade única aos arranjos de sua orquestra.  Explique melhor pra gente no que a adição desse elemento sonoro revolucionou a música que se fazia na época.

MC - No começo da década de 40, meu pai tocou o primeiro solovox que Jardel Jércolis trouxe para o Brasil. O solovox era um pequeno teclado importado, eletrônico e monofônico (não fazia acordes) de três oitavas. Era, portanto, um instrumento solista. Naquela época, grande parte dos clubes no Brasil não tinha piano ou os pianos estavam em mau estado de conservação e, normalmente, os conjuntos eram formados por baixo acústico, violão elétrico, acordeon e bateria. Aos poucos, o acordeon, instrumento pesado e acústico, foi substituído pelo solovox por sua praticidade e fácil sonorização, pois era um instrumento amplificado. A novidade também despertou o interesse do público para outros tipos de sons eletrônicos, diferentes dos convencionais, e a demanda por inovações cresceu rapidamente. A partir daí, as fábricas americanas começaram a investir cada vez mais em instrumentos eletrônicos – além de terem timbres diferentes, a capacidade de amplificar o som desses novos instrumentos facilitava a vida dos músicos que tocavam em grandes salões ou casas de shows.
  Apesar de ter apenas três oitavas, o solovox podia reproduzir alguns timbres diferentes, como os teclados de hoje, apenas selecionando um de seus botões.

O solovox

Hugo - Na segunda guerra, Calmon foi convocado para servir no “Batalhão de Guardas da Presidência da República”, no Palácio do Catete. Isso numa época em que o Rio de Janeiro era a Capital Federal. Foi uma época muito dura para Waldir, mas também houveram momentos muito engraçados. Explique essa dicotomia vivida pelo pianista na oportunidade

MC- Ele conciliava o trabalho diurno com o noturno: o exército, o teatro Serrador, a rádio Globo e a boate Meia-Noite, do Copacabana Palace. Dormia cerca de 30 minutos por noite e contava que sempre andava de bonde pendurado no balaústre, dormindo em pé. Para conseguir acordar todas as manhãs, colocava três despertadores em uma panela para fazer bastante barulho.  Como homem e solteiro, bolou uma técnica de dispor o terno entre o colchão e o estrado da cama para ficar sempre bem “esticadinho” (Risos).  

Hugo - A partir de 1951, Waldir começou a gravar seus próprios discos. No ano seguinte começou a apresentar na TV Tupi do Rio de Janeiro o programa “Ritmos S. Simon”, que permaneceu durante 10 anos no ar. No que consistia esse programa?

Waldir Calmon foi um dos pioneiros da televisão  com seu programa Ritmos S. Simon apresentado durante 10 anos na TV Tupi, a partir de 1952.
Apresentação de Waldir Calmon no programa "Os Melhores da Semana" (com patrocínio da Mullard Rádio e TV e da Casa Neno S/A), TV Tupi nos anos 50. 

MC - O programa Ritmos S. Simon ia ao ar, ao vivo, todos os sábados pela TV Tupi e, posteriormente, pela TV Rio e era patrocinado pela loja de lustres S. Simon – o “S” era de Sílvio, nome do dono da loja. O formato do programa era o mesmo de um baile: o conjunto se reunia no palco e começava a tocar as músicas de maior destaque do repertório de Waldir Calmon, sem paradas, exatamente como o lado corrido dos discos da série Feito Para Dançar. Só paravam durante os intervalos comerciais. Minha mãe, cantora, chegou a trabalhar com ele nesses programas antes de se casarem.

Hugo - Em 1952 surgiu uma nova etiqueta de discos com fábrica própria: A “Rádio Serviços e Propaganda Ltda” (Long Play Radio), sendo Waldir o artista convidado juntamente com sua orquestra para inaugurar a nova gravadora com o primeiro disco, entitulado “Ritmos Melódicos”. Esse disco foi seguido por vários outros, e em 1956 Waldir registraria pela mesma gravadora uma música que se tornaria um verdadeiro Hino do Futebol Brasileiro.  Trata-se da canção de Luiz Bandeira de nome “Na Cadência do Samba”, mais tarde conhecida popularmente como “Que Bonito É”.  Essa música, que originalmente foi tema do cine-jornal esportivo Canal 100 TV, com o passar do tempo seria incorporado como trilha esportiva da maior parte das emissoras de rádio e TV em todo o país, estando praticamente para o futebol tanto quanto “Jingle Bells” é a própria essência  de uma música natalina. ..

MC - O Canal 100 (1957–2000) era um cine-jornal que cobria fatos relevantes no Brasil e no mundo, mas o destaque mesmo era para a parte esportiva, graças à alta qualidade de suas imagens, em ângulos inusitados, em que se podiam ver, em detalhes, todas as jogadas. Era a parte final do jornal e justamente onde entrava a música Na Cadência do Samba. Em uma época em que televisão era artigo de luxo, e mesmo aqueles que a possuíam não conseguiam ver imagens muito boas, a função do cine-jornal Canal 100 era muito importante. Era exibido sempre antes do filme principal e algumas pessoas iam ao cinema apenas para assisti-lo.
     Não sabemos como essa música foi escolhida para fazer parte do Canal 100, mas o fato é que ela era executada em todos os cinemas do Brasil (capitais e interior) em todas as sessões, diariamente. Por causa dessa vinculação maciça, a música ficou conhecida em todo o território nacional. Depois que o Canal 100 deixou de abrir as sessões de cinema no Brasil, a música passou a ser o tema dos jogos da seleção brasileira de futebol pela TV Globo. O autor, Luís Bandeira, vendeu os direitos da música há muitos anos e meu pai nunca recebeu um centavo pelos direitos de intérprete. Quando tentou, o órgão arrecadador respondeu-lhe que seria difícil o pagamento, pois “na música instrumental é muito complicado reconhecer o intérprete e, portanto, pagar os devidos direitos”... Coisas do Brasil.
A música "Na Cadência do Samba" de Luiz Bandeira sob a execução da orquestra de Waldir Calmon, foi o tema do cinejornal esportivo Canal 100 TV
                Waldir também participou de vários filmes, como "Hoje o Galo Sou Eu" (1958)


O maestro e pianista Waldir Calmon sendo laureado por Lúcio Rangel e Fernando Lobo  em 1957 pela vendagem de 100.000 cópias atingida pela série "Feito Para Dançar"




Hugo -  Outra série de discos fantástica  lançada por Waldir, foi a “Feito para Dançar”, lançada em 1953, e que em 1957 atingiria  um número de mais de 100.000 cópias vendidas, sendo o pianista laureado com disco de ouro e tudo o mais...


MC- A série de LPs Feito Para Dançar teve doze volumes e uma característica inédita: o lado A de cada disco não tinha intervalos. As músicas eram tocadas ininterruptamente como em um baile – feito, sob medida, para as festinhas em casas de família. Essa série também teve o primeiro disco popular editado em 12 polegadas no país.
     Se imaginarmos um Brasil com uma população e poder aquisitivo bem menores, indústria fonográfica ainda emergente e com problemas de distribuição de discos pelo imenso território nacional (problema que, aliás, existe até hoje), temos uma noção da importância desse fato. Meu pai chegava a ter três LPs, simultaneamente, nas paradas e alguns compactos também – que, geralmente, eram extraídos dos LPs. Isso só era possível porque ele lançava mais de um disco por ano e fico imaginando em que tempo ele conseguia pesquisar e selecionar repertório, compor, gravar, fazer programas no rádio e na TV e ainda viajar por todo o país com seu grupo. Ah, ainda fez participações e trilhas para o cinema...
Hugo - Waldir foi também um dos precursores do Rock no Brasil, ao lançar no seu disco Chá Dançante, de 1957 uma versão cheia de swing da canção-símbolo do movimento, gravada originalmente dois anos antes por Bill Halley and His Comets. A música era Rock Around The Clock.  Como essa gravação foi recebida pelo público da orquestra de Waldir Calmon? 

MC - A análise dessa gravação é muito interessante, pois o ritmo toca samba o tempo todo e o baixo, o piano e a guitarra ficam alternando entre samba e rock. Em determinado momento, o ritmo toca samba e o baixo, rock. É uma mistura inusitada e alguns historiadores atribuem a criação do samba-rock a Waldir Calmon por causa desse registro. O samba-rock feito no Brasil, hoje em dia, é totalmente diferente, mas o ponto de partida teria sido essa música. Nos anos 70, o próprio Bill Haley, em uma turnê pelo Brasil, gravou o seu Rock Around The Clock em samba.
 A receptividade do público, ávido por novidades, foi excelente e Waldir Calmon, que sempre gostou de criar, nunca mais parou de experimentar. Um de seus mais bem-sucedidos discos foi o LP Clássicos Para Dançar, onde gravou o sucesso Mercado Persa, por exemplo, em ritmo de samba.

Hugo - Em 1956 Waldir gravou um disco com Ângela Maria pela Copacabana, intitulado “Quando os Astros se Encontram”.  Como era esse trabalho?

MC – Na época, os dois eram contratados da Copacabana Discos e, até onde sei, os artistas que mais vendiam no cast da gravadora. Meu pai, que adorava pesquisar músicas com ritmos latinos, já conhecia Babalu, da cubana Margarita Lecuona, e apresentou a canção à Ângela. Também lhe sugeriu uns fraseados para destacar a beleza e a extensão de sua voz e, assim, valorizar a música. Babalu acabou se tornando o maior sucesso da carreira de Ângela Maria.  A repercussão do trabalho foi tão positiva que a Copacabana quis que a dupla gravasse um segundo disco, mas, por problemas de agenda, Waldir Calmon não pôde realizar esse projeto.

Hugo - Nos anos 50, Waldir Calmon manteve em funcionamento uma refinadíssima casa noturna, o Arpége.  O que essa casa significou para a noite carioca de então e também para a MPB?

MC - Meu pai abriu a Arpége em 1956. O nome veio de um perfume feminino francês, lançado em 1927 pela Lanvin, que faz alusão ao arpeggio (execução sucessiva das notas de um acorde musical). A Arpége ficava na rua Gustavo Sampaio, no Leme, perto de outras boates elegantes, como Drink (da família de Cauby Peixoto), Sacha’s e Fred’s. Na época, o Rio de Janeiro era capital federal e muitos políticos, socialites e celebridades internacionais freqüentavam a noite carioca. Quase todas as noites, havia filas na porta da boate e a Arpége tornou-se um ponto de encontro e de shows muito importante na cidade. Nomes como Tom Jobim, Ary Barroso, o então iniciante Chico Buarque, Odete Lara e MPB 4 se apresentaram no palco desta casa noturna. Historiadores contam que Vinícius de Moraes conheceu Baden Powell durante um show na Arpége. Quase todos os grandes nomes da época se apresentaram na boate.
O Arpége foi uma casa noturna muito badalada no Rio de Janeiro dos anos 50
Hugo -  A partir de meados dos anos 60, as vendagens dos discos de Waldir começaram a cair progressivamente.  Mesmo assim, Waldir prosseguiu gravando até quase sua morte em 1982, com um repertório sempre atualizado. A que fatores você atribuiria essas mudanças na preferência popular?

MC - Como músico, Waldir Calmon possuía uma sensibilidade aguçada para selecionar seu repertório – até mesmo porque sempre esteve em contato direto com o público, pois, tocando em boates e clubes, pôde conhecer a preferência musical dos dançarinos. Do ponto de vista técnico, o bom gosto e a criatividade nos arranjos se destacavam em suas gravações e a execução do piano, sempre nítida em seu estilo inconfundível, complementava o trabalho. Além do repertório e de sua performance, meu pai beneficiou-se dos costumes sociais dos anos 50.
     Os jovens não possuíam condição financeira de freqüentar boates e as mocinhas de família não circulavam sem seus pais. Além disso, eram poucos os colégios mistos e o tabu sobre o assunto era enorme As domingueiras em casas de amigos e os bailes eram, então, a melhor forma de conviverem socialmente.. Exatamente por essa razão, Waldir Calmon lançou os LPs com músicas ininterruptas, proporcionando cerca de trinta minutos de namoro musical. Em síntese, a música proposta por meu pai adequava-se perfeitamente à época: o repertório escolhido com esmero; a execução impecável; o sucesso na capital federal, Rio de Janeiro, que o projetou para todo o Brasil, e a presença constante de seus discos em festas de integração entre os jovens e nas casas noturnas, fazendo fundo musical também para os romances adultos, o tornaram símbolo de uma época.
     Apesar de sua estréia em solo brasileiro em 1950, a TV só ganhou verdadeiro impulso nos anos 60. O rádio foi gradualmente perdendo a sua importância e a magia dos 50 foi substituída pela realidade das imagens televisivas dos anos subseqüentes. O valor da imagem cresceu e reformulou a linguagem artística. No Brasil, a ditadura política também acabou afetando a cultura e os artistas, na tentativa de burlar as novas regras, mudaram a forma de se expressar através de suas obras.
     A partir dos anos 60, a música passou a ter uma função social bem diferente daquela que possuía nos anos 50. A invenção da pílula anticoncepcional permitiu à mulher administrar a própria sexualidade como quisesse e os jovens passaram a conviver com maior liberdade. O Rio de Janeiro também deixou de ser a capital federal e perdeu grande parte de seu prestígio e dinheiro circulante com a ida dos políticos para Brasília. Enfim, a valorização da imagem, a transformação da música de entretenimento, a revolução sexual e a mudança da capital federal atuaram em conjunto na modificação do cenário brasileiro da década de 60 e a música instrumental, proposta por meu pai, foi perdendo o seu espaço. Juntos, esses fatores atuaram de forma decisiva na transformação de um contexto que antes beneficiara Waldir Calmon.


Roberto Carlos situa-se entre um dos inúmeros admiradores do pianista.
Hugo - Márcia, apesar de formada em jornalismo, você também optou por seguir o caminho artístico, assim como seu pai, tendo chegado a fazer inclusive aulas de canto lírico no Brasil e na França.  Quando você teve esse “click” da arte desperto, e por que escolheu o caminho da MPB, em especial da Bossa Nova e do Chorinho?

MC- Como meu pai, sempre tive contato com a música. Graças ao trabalho dele, sempre ouvi todos os tipos de música: instrumental, cantada, nacional, internacional, novas, antigas... Gosto de vários estilos, mas meu coração pende para a bossa-nova e o chorinho. São estilos distintos, mas igualmente desafiadores e belos
.
Hugo - Quais suas maiores influências musicais?
MC- Nossa, tantos artistas...  Começando pelas cantoras, no Brasil, a maior de todas, mãe de todas as cantoras populares brasileiras: Carmen Miranda, claro! Mas amo Dalva de Oliveira, Marlene (com quem tive a honra de trabalhar por mais de uma década), Ademilde Fonseca, Clara Nunes, Leny Andrade, para citar algumas. No mercado internacional, Ella Fitzgerald, Barbra Streisand, Sade, Edith Piaf e Karen Carpenter (Carpenters) – esta, pela beleza inigualável e doçura quase angelical de seu timbre. Mas adoro o trabalho de João Bosco, Vinícius, Tom Jobim, Baden, Djavan, Chico Buarque, etc..

Hugo -  Você e seu marido, o maestro e arranjador Tranka, já estiveram em tournée por vários países. Como foi essa experiência?

MC- É sempre enriquecedor você conhecer outras culturas, outros hábitos, outro tipo de música e, principalmente, outra forma de o público se relacionar com o artista. Parece bobagem, mas isso muda muito de país para país. Também foi muito bom constatar que trabalho em uma área em que o Brasil é considerado um dos melhores do mundo.


Hugo - Como é o espetáculo  “Márcia Calmon Canta o Rio Antigo”?

MC - Nesse show, faço uma viagem pelo Rio de Janeiro efervescente dos anos 20 aos 60: canto Ernesto Nazareth (Odeon e Apanhei-te, Cavaquinho), Waldir Azevedo (Pedacinho do Céu, Brasileirinho e Delicado), Pixinguinha (Carinhoso e Lamento), Chico Anísio e Nonato Buzar (Rio Antigo), Benedito Lacerda (Dinorá), entre outros. Também temos um show de bossas-novas (Bossas-Novas e Outras Pérolas da MPB), onde interpreto os maiores ícones desse estilo, além de Djavan e João Bosco.

Hugo -  O que representa para você a Bossa Nova dentro da cultura musical brasileira?

MC- A Bossa Nova trouxe um novo frescor à música brasileira, tanto nas melodias, quanto nas harmonias e, principalmente, nas letras que falavam de amores bem-sucedidos – ao contrário daqueles dramalhões dos famosos boleros e sambas-canções. É incrível como a bossa-nova traduz a sensação praiana carioca, mas não se restringe apenas ao Rio de Janeiro. Em qualquer lugar que você estiver e tocar uma bossa-nova, parece que a brisa do mar estará soprando. É mágico.


                                                   Márcia Calmon canta o clássico "Odeon" de Ernesto Nazareth

Hugo - Quais seus projetos para o futuro imediato?

MC- Estamos planejando mesclar os dois shows, Marcia Calmon Canta o Rio Antigo e Bossas-Novas e Outras Pérolas da MPB, em um único espetáculo para me dedicar aos estilos que mais aprecio. Infelizmente, teremos que cortar algumas músicas para não ficar longo demais e esse será o maior problema, pois amo todas que selecionamos com tanto carinho.

Circulou  no caderno de cultura "Blitz" da rede de radios e jornais Diário da Manhã, encartado em comum  nos jornais de Passo Fundo, Carazinho e Erechim (RS), em 28.10.2011
*Todos os direitos reservados pelo autor. Proibida a reprodução total ou parcial deste artigo, sem prévia autorização do titular.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Carmen e Aurora Miranda: As duas “Grandes Notáveis” do Brasil

 
Ricardo Kondrat
                                                       
                                                                             Por: Hugo Kochenborger da Rosa

É no bairro do Tatuapé em São Paulo, que mora Ricardo Kondrat, 48, um dos maiores fãs da cantora Carmen Miranda (1909-1955). Além de garimpar e colecionar tudo que é objeto que diz respeito à carreira da artista conhecida como “Pequena Notável” (slogan criado para a cantora pelo locutor César Ladeira), Kondrat ajuda a cumprir um papel relevante na preservação da imagem da cantora, ao divulgar a vida e obra da artista sempre que possível. O colecionador afirma que é o mínimo que pode fazer por ela, já que Carmen fez tanto pelo nosso país. “Durante muito tempo e porque não dizer até hoje, continua sendo ela uma espécie de cartão-postal do Brasil, assim sendo, nada mais justo que retribuamos esse gesto dela, reverenciando seu nome”, justifica-se.
E é com o colecionador Ricardo Kondrat, que a seguir batemos um papo muito bacana.

Hugo - Ricardo, como você conheceu a obra de Carmen Miranda e como acabou tornando-se fã da cantora?

Ricardo Kondrat (RK) - Conheci a Carmen, por um filme de Jerry Lewis, rodado em 1953, em que Carmen aparecia como atriz convidada. Chamava-se “Morrendo de Medo”, e eu o assisti pela TV Bandeirantes em 1980, no intervalo das aulas que cursava na época na escola do SENAI. Aquela figura feminina exuberante imediatamente chamou-me muito a atenção, fiquei como que magnetizado e não conseguia mais tirá-la da cabeça. Na época eu nunca tinha ouvido falar da Carmen. Chegando em casa, perguntei à minha mãe daquela artista esfuziante, cheia de frutas e outros objetos levados à cabeça. Minha mãe que era da época da Carmen, me esclareceu que se tratava de Carmen Miranda, uma artista brasileira muito importante, infelizmente já falecida e tal.
Logo fui até o centro, aqui de São Paulo à cata de algum disco da Carmen. Recomendaram-me que procurasse a “Casa Lomuto”, especializada em discos antigos, e que lá com certeza eu encontraria alguma coisa da artista.
Então, comecei a freqüentar essa loja, onde não só consegui adquirir com o tempo vários discos da Carmen, como também conheci outros fãs , e assim começamos também a “trocar figurinhas”. Esse disco foi o começo de uma coleção que reuni com muito empenho e dedicação, e que hoje soma mais de 2.500 ítens entre discos, fotos, revistas, partituras de época e objetos variados.

                                            Cena do filme "Morrendo de Medo" (1953)

Hugo - Quais dentre esses objetos você consideraria os mais raros e por quais você nutre maior carinho?

RK - Tenho um carinho muito grande pela coleção como um todo, mas para mim os itens mais especiais são alguns objetos que pertenceram à Carmen, e que me foram presentados devidamente certificados e autenticados pelos irmãos dela. Dois pares de tamancos tamanho 32 utilizados pela cantora na época em torno de 1940, 1942; uma bolsa que teria sido adquirida em uma viagem de Carmen à Buenos Aires em 1938 e uma foto autografada. Esses itens para mim possuem um valor inestimável!

Aline Serrano, a principal "cover" de Carmen Miranda na atualidade, em visita ao acervo de Ricardo Kondrat, calçando um par de tamancos que pertenceu a Carmen.
Hugo - Quantos discos de 78 RPM de Carmen você tem aproximadamente? Quais seus sucessos favoritos da cantora?

RK - Na coleção, só de discos de 78 RPM de Carmen, possuo 104. Algumas de minhas canções favoritas da cantora são Ta-hi (Pra Você Gostar de Mim), (Victor, 1930), Alô, Alô (Gravada em dupla com Mário Reis, Victor, 1933), Isto é Lá com Santo Antônio, (Victor, 1934), Chegou a Hora da Fogueira, (Victor, 1933), Balancê, (Odeon, 1936), O que é que a Baiana Tem?, (Gravada em dupla com Dorival Caymmi, Odeon, 1938) e Cantores do Rádio (Odeon, 1936), onde na música ela e Aurora cantam “Cantoras do Rádio”. A curiosidade é que o título da música nos créditos do selo do disco aparece como “Cantores”, e não como “Cantoras do Rádio”.
        Carmen e Aurora entoando "Cantores do Radio" no filme "Allo, Allo Carnaval" (1936)
A jovem Aurora Miranda no início de carreira.
Carmen Miranda

Hugo - E na parte filmográfica da Carmen, qual é o seu filme favorito, e por que?

RK- Com certeza prefiro “Uma noite No Rio” (That Night In Rio, 1941) e “Copacabana” (1947), porque ela está divina nos números musicais!!

Hugo - Alguma celebridade artístico-cultural já esteve visitando seu “santuário” da carreira de Carmen?

RK- Sim. Murilo Caldas (irmão do cantor Silvio Caldas). Por sinal, Murilo foi o primeiro a fazer dueto com Carmen em disco. Infelizmente o artista veio a falecer já em idade bastante avançada em 1999. Também recebi a simpática visita dos cantores markinhos Moura e Maria Alcina.

Imagem parcial do acervo de Kondrat

Hugo - O que Carmen Miranda representou para a cultura brasileira, na sua opinião?

RK- Representou não!! Representa ainda!! Ela foi a primeira a divulgar nosso samba pelo mundo a fora . É a única mulher em pé de igualdade com o “Rei” Pelé, como uma espécie de “embaixatriz” de nossa cultura no exterior.

Hugo - Se Carmen aparecesse na sua frente, hoje, qual seria a primeira coisa que você diria a ela?

RK- Que tenho por ela a mesma afeição e amor que sinto por minha mãe.


Hugo - Você desfrutou muito da amizade de outra celebridade da família Miranda. A irmã mais nova de Carmen, Aurora, também cantora (1915-2005). Como vocês se conheceram?

RK- Tive muito contato com Aurora. Ela era muito meiga, carinhosa e atenciosa. Foi uma grande pessoa e que marcou muito minha vida. Não conheci somente a ela, mas também aos seus irmãos Amaro, Cecília e Oscar Miranda. Nosso primeiro encontro ocorreu em agosto de 1985, no Museu do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, e esse encontro representou o começo de uma grande amizade.

Ricardo Kondrat e Aurora Miranda, na época em que o colecionador iniciou a amizade com a familia Miranda, em 1985.

Hugo - Aurora foi um grande nome feminino em número de discos gravados e sucessos nas paradas na década de 30. Além do sucesso no disco, chegou a estrelar filmes importantes como “Você Já Foi à Bahia”, (The Threes Caballeros) de Walt Disney (1944), onde contracenou em uma cena antológica com o Pato Donald, Panchito e Zé Carioca, interpretando a música de Ary Barroso “Os Quindins de Iaiá”. Aurora, que casara-se em 1940 com Gabriel Richaid e vinha morando desde então nos Estados Unidos, resolveu logo a seguir abandonar a carreira, retornando posteriormente ao Brasil. A partir daí, retomaria o lado artístico somente em situações pontuais para um ou outro disco e/ou apresentação , isso num espaço de décadas. O que a cantora comentava sobre sua própria carreira musical? Que motivos teve ela para abandoná-la?

RK- Com o casamento e o nascimento dos filhos, Gabriel (futuro dentista) e Maria Paula da Cunha Richaid (mais tarde psicoterapeuta), seu marido achou por bem que Aurora se dedicasse completamente à família, e Aurora concordou. Acabou optando por dedicar-se à sua família, e também a carreira de sua irmã, Carmen.
Aurora Miranda em cena do filme "Você já foi à Bahia"? (1944) ao lado de Panchito, Zé Carioca e Donald.
  Hugo - Um dos pontos altos na obra musical da Carmen, é justamente a canção “Cantores do Rádio”, de João de Barro, o Braguinha, que ela interpretou ao lado da irmã na película “Allo Allo Carnaval”, de 1936. Como fã, você acha elas poderiam ter levado essa parceria adiante, gravando juntas outras músicas?

RK - Sim, poderiam. Mas Aurora contava que era meio impossível cantar em dueto com a Carmen, por mais que ensaiassem, porque ela tinha uma “bossa diferente”. Por isso Aurora tinha que ficar de frente com a Carmen para cantar, senão ela se perdia.

          
        Aurora, Donald, Zé Carioca e Panchito "Os Quindins de Iaiá"

Hugo - O que Aurora comentava sobre a música “Cidade Maravilhosa”, composta por André Filho, gravada originalmente por ela em 1934, e que se tornaria posteriormente o Hino Oficial da Cidade do Rio de Janeiro?

RK- Dizia que foi uma pena “Cidade Maravilhosa” não ter ganho o concurso de músicas para o carnaval de 1935 promovido pela Prefeitura do Rio de Janeiro (ficou com a segunda colocação), mas que o próprio autor, André Filho, disse lhe na época que não era para a Aurora ficar triste, profetizando que Cidade Maravilhosa não havia ganho o concurso, mas que ficaria eterna. E ficou!

Hugo - Lembra de algum fato engraçado ou pitoresco presenciado em companhia dela?

RK- Sim, lembro. Ela estava cantando uma música da Carmen em uma de suas apresentações, e de repente esqueceu da letra! Ai ela surgiu com essa: Gente, a música saiu ontem e ainda não deu tempo para decorá-la! (Risos).

Rara imagem de Carmen Miranda com os cabelos soltos.
Hugo - Você mantém contato com outros colecionadores?

RK- Sim, com alguns! O Doni Sacramento e o meu querido amigo Alberto Camareiro. Os demais que eu gostava muito, infelizmente já faleceram. Hugo Giovanelli, Roberto Luiz Braga, Erick Barreto, Cassio Emmanuel Barsante, entre outros. Adoro falar sobre Carmen, trocar idéias com outros fãs, colecionadores, ou mesmo curiosos em saber mais sobre a obra da cantora. Por isso, aproveito para deixar meu telefone a disposição para quaisquer esclarecimentos, ou mesmo para trocar uma idéia com outros admiradores de Carmen. (11) 9831-2079
Circulou  no caderno de cultura "Blitz" da rede de radios e jornais Diário da Manhã, encartado em comum  nos jornais de Passo Fundo, Carazinho e Erechim (RS), em 07.10.2011
*Todos os direitos reservados pelo autor. Proibida a reprodução total ou parcial deste artigo, sem prévia autorização do titular.