Flávio Dias como "O Fantasma do Barão". Novela Uma Rosa Com Amor SBT (2010) |
O Mundo de Beakman Flávio Dias
Ou... O que é que há, velhinho???
Por Hugo Kochenborger da Rosa
Flávio Dias D´Oliveira , iniciou sua carreira ainda adolescente no teatro, em 1967. Trabalhou também na televisão em novelas como “Campeão”, na TV Bandeirantes (1982) e “Uma Rosa Com Amor”, no SBT (2010). No cinema fez o filme “Alô?”, de 1998.
A fama maior desse ator e diretor, todavia, seria conquistada como dublador de inúmeros personagens em filmes e seriados. De Beakman do seriado “O Mundo de Beakman” a Pernalonga, passando pelo Barney do seriado infantil “Barney e seus amigos”, até chegar a Catatau em “O novo show do Zé Colmeia”, os personagens foram muitos!
A estréia de Dias na dublagem, ocorreu em outubro de 1975, quando Flávio ingressou para o cast artístico da AIC São Paulo, estúdio esse, que adquirido por novo proprietário passaria a se chamar BKS no início do ano seguinte...
Hoje nosso bate-papo é com ele: Flávio Dias.
Hugo - Flávio, quando que você percebeu seu talento para as artes dramáticas e de que forma acabou ingressando no teatro na segunda metade dos anos 60?
Flávio Dias de Oliveira (FD) - É de família. Meus pais se aproximaram ao trabalharem juntos em peça teatral de despedida dos soldados, durante a segunda guerra, em Portugal.
Eu comecei com teatro amador, em 1965, num show de escola. Gostei e estou nisso até hoje (risos)
Hugo - Como surgiu a oportunidade de ingressar na AIC, e como funcionava o processo de dublagem na época em que você resolveu partir para esse campo da interpretação artística?
FD - Em 1975, estava terminando a Escola de Artes Dramáticas (ECA-USP/SP), e vi no quadro de informes que procuravam atores para teste de dublagem. Eu nem imaginava do que se tratava. Tive sorte e, aprovado no teste passei a ser chamado constantemente para pequenas participações. A dublagem, então, era feita a partir do corte do próprio celulóide. O filme era todo cortado em “anéis” de 20 segundos para ser projetado no estúdio de dublagem. E o elenco trabalhava junto, como se fosse uma radionovela. Para dar uma idéia mais clara, às vezes éramos reunidos em mais de 10 atores em torno de um único microfone! Os detalhes são muitos, por isso fica difícil resumir toda a sistemática que envolvia a dublagem na época. Hoje o auxilio da tecnologia facilita muito, simplificando bastante todo esse processo.
Hugo - Com que outros dubladores importantes você teve a felicidade de contracenar ao longo desses anos todos?
FD - Em meu aprendizado, tive a honra e o prazer de trabalhar com a “nata” da dublagem brasileira... Potiguara, Neide Pavani, Ezio Ramos, Sandra Campos, Older Cazarré, Marcos Lander, Chico Borges, Rita Cléos, Borges de Barros, Helena Samara, Carlos Campanile, Eleu Salvador, Antonio Moreno, Neuza Azevedo, Waldir de Oliveira, Drauzio de Oliveira, Ivete Jayme, Gessy Fonseca, João Ângelo, Jose Soares... Enfim, perto dessas feras todas, o menino aqui tinha que ter muita garra pra continuar trabalhando... e não é que aprendi alguma coisa?
Hugo - Descreva-nos sua visão pessoal sobre o personagem Beakman (O Mundo de Beakman), e como foi a experiência de ser o dublador oficial desse interessante personagem vivido por Paul Zaloon? Você chegou a conhecer pessoalmente o ator americano que fazia o personagem?
FD - O ”Mundo de Beakman”, não foi um trabalho, foi um presente! Uma das séries mais difíceis, mas, mais deliciosas não só de se “fazer” como de se assistir. A emoção de ouvir dos fãs, que seu trabalho de alguma forma estimulou ou interferiu positivamente na formação profissional das pessoas é indescritível! Ouvir dos amigos, do prazer que eles tem em assistir o “Beakman” junto com os filhos... traz uma felicidade incalculável! O ”Beakman” só me deu alegrias... (podia ter dado dinheiro também, mas...) (risos) Infelizmente não o conheci pessoalmente... ainda.
Hugo - Percebe-se que você tem forte correlação com programas de cunho cultural. Tanto que além de O Mundo de Beakman, que era um excelente programa do tipo “educativo sem ser cansativo”, você fez também várias participações na TV Cultura de São Paulo...
FD - Bem, a TV Cultura, é na verdade uma “paixonite” dos atores que trabalham na cidade de São Paulo. Todos gostamos de participar dos projetos da emissora, porque sabemos da seriedade e da importância cultural desses projetos. Tive a honra de ser a voz das “chamadas” da área infanto-juvenil, por mais de seis anos. E participei de vários trabalhos ligados ao projeto “Nossa Língua Portuguesa”, do professor Pasquale Cipro Neto, tanto como ator teatral , como também dublando alguns personagens.
Pof. Pasquale Cipro Neto |
Hugo - Dos programas infantis “enlatados” surgidos na televisão brasileira dos anos 90 pra cá, Barney e seus amigos merece destaque como um dos mais interessantes, queridos e populares entre a garotada. Como foi essa experiência pra você?
FD - O Barney foi uma experiência “quase” gratificante. É um projeto norte-americano para crianças até 08 anos, tipo “Vila Sésamo”. Dublei de 1998 a 2005, quando fui literalmente assaltado pelos representantes da série no Brasil, ao usarem o produto dublado para TV na produção de um DVD que foi comercializado sem o pagamento de meus direitos. Ao exigi-los, fui demitido do estúdio onde trabalhava e cortado da série. Aliás estas atitudes escravocratas até hoje, são tomadas pelas distribuidoras contra os atores brasileiros, com o aval dos estúdios de dublagem, que só querem saber é da grana... ética profissional e respeito às leis que nos normatizam, nem pensar!!!
Hugo - E sobre o simpático coelho “Pernalonga”, como foi dublar esse personagem tão presente e marcante no imaginário infantil?
Barney e seus amigos |
FD - Foi logo no comecinho, em 1975. Havia falecido o ator que inicialmente dublara o Pernalonga, o Gastão René, e foram feitos testes para um timbre próximo, a pedido da Warner, na então já BKS (ex-AIC). E de brinde ainda “herdei” o Patolino, o Batatinha (turma do Manda Chuva), o “Bob Filho” e o “Catatau” (Hanna-Barbera) (risos)..
Hugo - Qual seu episódio favorito de Pernalonga?
FD - Todos! Com uma leve vantagem para os enfrentamentos com o Patolino.
Hugo - Ao saberem que você fez durante um bom tempo a voz do Pernalonga, as crianças te “alugam” muito, pedindo pra você dar uma palhinha? rsrs
FD - Não mais... a “bola da vez” ainda é o Barney... Quando descobrem é uma festa! Tem até amigo que me liga, pra eu dar parabéns pros filhotes, como Barney! Acredita?! (risos)..
Hugo - Fora os programas e seriados que mencionamos, quais outros personagens que contaram com sua dublagem mais te marcaram?
FD - Aí fica difícil... Foram até hoje mais de 6.000 (seis mil) títulos, entre longas metragens, curtas, novelas, desenhos, séries e seriados... Mas gostei de coisas como “Caça Fantasmas” (RAY), “Ursinhos Carinhosos “ (Malvado/Valente), “A Turma do Zé Colméia “(Catatau,Bobi, Babalu), “Águia de Fogo” (Hawk), “Cavaleiros do Zodíaco” (Poseidon). Enfim muitas séries legais, e alguns atores em filmes especiais, como Dan Aykroid, Jonny Deep, Danny de Vito, Gary Oldman... e um montão de outros...
Hugo - Considerando você como “geração do meio”; no que se diferem os dubladores da “velha escola”, como: Borges de Barros, Orlando Drummond, etc.. os da sua geração e os da novíssima geração, surgidos mais recentemente?
Ursinhos carinhosos |
FD - Na “minha turma” tem gente maravilhosa, mas vou me dar o direito de não citar alguém, pra evitar magoar colegas, por algum esquecimento. Mas, repito, da “minha turma” falo com certeza que tem atores de excelente qualidade. Agora, desta geração mais nova, conheço muito poucos. Pena que justamente durante esta, digamos, última renovação, é que tem se constatado uma queda vertiginosa da qualidade. Quero crer que não seja por culpa direta dos novos atores, mas sim do mercado cruel que procura preços cada vez mais baixos, estrangulando assim o já muito baixo custo de nosso trabalho e para isto recorrem à substituição dos atores profissionais por estudantes ou iniciantes, por custos que são, eu diria, vexatórios! Mas, isto também é papo para muuuuita lauda!
Flávio Dias no Anima Pop em 2008
Hugo - Fale-nos sobre sua escola de Teatro e os projetos paralelos em que trabalha
FD - Moro em Mogi das Cruzes (grande SP), cidade onde nasci. Fica a 60 km de São Paulo. Aqui tenho meu grupo profissional de teatro – Cia.Radiophônica de Theatro, ligada á Cooperativa Paulista de Teatro-SP. Com este grupo mantenho meu contato direto com o palco, criando e dirigindo espetáculos para escolas, ONGs, prefeituras e empresas. Este grupo atua apenas na região do “alto-Tietê”. Em SP, atualmente estou, como ator, na peça “Eles não Usam Black-Tie” de Gianfrancesco Guarnieri, numa montagem-homenagem pelos 5 anos de seu falecimento. A Produção é da família Guarnieri, e tenho a honra de caber a mim o papel de “Otavio” que foi do próprio Guarnieri e também de Eugênio Kusnet. Em cena, o filho mais velho de Gianfrancesco, Flavio Guarnieri , faz o papel de Tião, meu filho.
"Cia. Radiophônica de Theatro" organizada Por Flávio Dias |
Hugo - O que, no seu entendimento, está faltando na atual programação da televisão brasileira?
FD - Falta atualmente na TV brasileira, produções brasileiras! Temos que ter mais espaço para trabalho, dividindo o espaço com as produções estrangeiras (isso falando em termos de canais por assinatura). Agora, a TV aberta é lixo puro! São programinhas em variações do tipo BBB, de péssimo gosto e qualidade no mínimo duvidosa, em sua maioria. Posso incluir também nesse mesmo grupo a decadência gritante das novelas. Tenho lido até atores globais confirmando isto. Dá desgosto! É de chorar! Aliás, não vejo nada na tv que não seja filme, jornalismo e algum esporte o resto é lixo, lixo puro!
Hugo - E que trabalhos paralelos à dublagem você tem desenvolvido atualmente?
FD - Já falei antes sobre meu grupo de teatro (Cia.Radiophonica) Mas tenho trabalhos complementares em narrações para cursos especiais ligados a departamentos específicos da USP e algumas ONG´s (apoio movimentos femininos, proteção aos animais, etc). Além de entidades especificas como por exemplo, narrações de livros para deficientes visuais
Hugo - O que mais você gostaria de falar sobre a profissão de dublador?
FD - Sempre digo que falar sobre a dublagem, (a técnica de interpretar sobrepondo a voz a ser exibida sobre a original), é no mínimo, charmoso. Mas o assunto que deveríamos também abordar é o não pagamento pelo uso da dublagem. O ator recebe atualmente cerca de R$ 80,00 por hora de trabalho. Num Longa Metragem (100 minutos) o dublador que dublou o personagem que “falou mais” durante o filme, recebe, em média, uns R$800,00. A dublagem do filme todo não chega ao total de R$ 10.000,00. No entanto, quando essa mesma produção for veiculada num canal de tv, com intervalos comerciais, renderá por exibição, milhões de reais. E a dublagem nada ganha. Apenas a emissora ganha.
Explicando o “Direito Conexo”... Num filme “dublado” há duas obras de arte. Ou seja, (por exemplo, o Brad Pitt e o ator que o dublou). O Brad ganhou como ator (milhões US$) e comissões sobre a venda para cada país, via sua distribuidora. E o dublador ganhou para ir ao estúdio dublar, mas quando o trabalho é negociado, ele nada recebe, nem pelas inserções via programas de tv, nem pelo uso indevido desse produto na criação de DVDs... Mesmo que a lei 9610 diga que ele tem direitos sobre o que ganharem sobre seu trabalho (mais valia)..
Muito legal..o Flávio é muito talentoso..Parabéns pela matéria.
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